Cobrar ou não mensalidade das instituições de ensino público de nível superior? Na seção "Duas Visões", dois profissionais defendem pontos de vista antagônicos sobre a questão. A professora adjunta da UFRGS Patrícia Souza Marchand (leia abaixo) acha a alternativa elitizante, com potencial para agravar ainda mais as desigualdades sociais. O advogado e professor universitário Thomas Dulac Müller aponta um paradoxo para justificar seu ponto de vista e lamenta que os defensores da gratuidade busquem argumentos ideológicos para sustentá-la.
Estabelecer a cobrança de mensalidades é ir na contramão de todos os esforços feitos pelas universidades públicas nos últimos anos de diminuir as desigualdades e dar acesso a uma parte da população que teria muita dificuldade de ingressar na universidade pública sem essas políticas. População esta que, ao ser implantada a cobrança de mensalidade, será, na sua grande maioria, ceifada do acesso ao ensino superior público e de qualidade.
Hoje, temos políticas de ações afirmativas em que ocorre a reserva de vagas, que é uma das medidas para se combater desigualdades históricas e representa os esforços existentes das universidades para a democratização do acesso. Conforme a Lei nº 12.711, de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais, o processo seletivo para ingresso nas universidades públicas deve reservar 50% das vagas para alunos oriundos de escola pública, sendo que 25% para estudantes cuja família tenha renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo mensal por pessoa. Por que então não defendemos as cotas, em vez do ensino pago? Claro que apenas ter a política de cotas não basta, pois ela permite a garantia do acesso e não da permanência, mas é um avanço significativo para a redução das desigualdades.
Acreditar na retórica proferida pelos defensores da cobrança de mensalidade nas universidades públicas de que quem tem condições financeiras paga e quem não tem terá acesso a bolsa de estudos é acreditar em uma falácia, na medida em que temos hoje uma política de ajuste fiscal que leva ao desmonte da universidade pública de qualidade.
Pensar em cobrar mensalidade em universidades públicas é inaceitável em um país de tamanha desigualdade, é elitizar cada vez mais o acesso à educação superior pública e de qualidade, é permanecer com uma sociedade injusta e desigual, é reafirmar que o Ensino Superior deve ser destinado a uma classe privilegiada da sociedade. No momento atual, em que se implementa de forma brutal o Estado mínimo, reduzindo o investimento público em direitos sociais a qualquer custo, implementar a cobrança de mensalidades é acabar com uma das poucas possibilidades de mobilidade social, de elevação do nível de escolaridade e conhecimento da população.
Este ajuste fiscal que leva a uma redução dos investimentos públicos em uma área estratégica como a educação impacta severamente na garantia do direito a uma educação pública, gratuita e de qualidade. Certamente, o custo social, ao acabar com a gratuidade das universidades públicas, seria altíssimo em relação aos recursos que seriam arrecadados, já que nas universidades está garantida a produção de conhecimentos técnicos que contribuem para o desenvolvimento do país, deixando-nos cada vez mais distantes de países desenvolvidos.
Se quisermos de fato democratizar o acesso ao Ensino Superior, devemos, sim, investir na educação pública, em políticas que permitam tanto o acesso quanto a permanência dos estudantes de baixa renda na universidade pública, efetivando assim a educação como direito de todos como estabelecido no art. 205 da Constituição Federal, e a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, conforme o art. 206.
Ao defender a universidade pública, gratuita e de qualidade, estou defendendo oportunidades iguais para todos.