* Advogada, professora de Direito Penal e Processo Penal
Um ano e nove meses após a maior tragédia ambiental do Brasil, o juiz federal de Ponte Nova (MG) decidiu pela suspensão da ação penal movida para apurar responsabilidades pela morte de 19 pessoas e por crimes ambientais contra a fauna e a flora, poluição e ordenamento urbano. A decisão baseou-se na possível utilização de provas ilícitas no processo, consistentes em interceptações telefônicas no prazo superior à autorização judicial.
Os fatos imputados aos réus da ação penal são gravíssimos. No entanto, a utilização de provas ilícitas pode gerar a anulação do processo, dada a obrigatória vinculação do julgador às normas legais e constitucionais. Trata-se de característica básica do processo penal democrático, que protege os cidadãos de arbitrariedades do poder público.
A Lei de Interceptações Telefônicas, que regulamenta o art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal, determina que a quebra do sigilo não poderá exceder o prazo de 15 dias, renovável por igual tempo. O aparente rigorismo no procedimento decorre de garantias constitucionais imutáveis, que protegem a privacidade e a intimidade. Aliado a isso, o Código de Processo Penal reafirma a inadmissibilidade dessas provas, as quais devem ser retiradas do processo e desconsideradas na sentença.
A opção do juiz, embora amplamente impopular, demonstra cautela, não representa impunidade, não antecipa o mérito da demanda e não afeta o andamento das ações cíveis para reparação dos danos às vítimas. Ao contrário, pode evitar a futura anulação do processo, impedindo a repetição de atos e o risco de prescrição de alguns crimes.
Somos vítimas de catástrofes como essa, o meio ambiente não tem fronteiras e os danos desse evento ecoarão por décadas. No entanto, também fomos vítimas, durante séculos, dos excessos estatais que violavam nossos direitos. Por isso é que o meio ambiente ecologicamente equilibrado e o devido processo legal são direitos fundamentais que, hoje, ocupam o mesmo nível de proteção pelo Estado e não podem ser relativizados, sob pena de uma perigosa ruptura com as garantias constitucionais duramente conquistadas.