* Advogado e professor da Escola de Direito da PUCRS e da FMP
A normalidade pode ser patológica. Muitos comportamentos, crenças e valores sociais tornam-se normais uma vez que são repetidos por muitas pessoas. Independentemente da razão ou do próprio conteúdo dessas condutas. Pensamentos padronizados, hábitos arraigados, estereótipos que são assimilados e repetidos sem a mínima reflexão, ainda que nocivos, viram rotina. São normalizados. E aceitos.
Vira normal o (poder) político se corromper. E, quando as evidências são devastadoras, indicando indecentes encontros, acordos e esquemas espúrios, a ingenuidade e a ignorância sobre os fatos que se tinha o dever de saber servem como escusas. Como um deboche, invoca-se a presunção de inocência. E o cinismo vira normal, a corrupção vira normal. Criminosos habituam-se onde a impunidade é a norma. Vira normal uma democracia sem povo.
Negros são expostos ao descrédito e à violência do Estado. Números indicam: presos brancos detidos em flagrante têm uma probabilidade maior de serem soltos mais rapidamente. Negros são mais expostos aos homicídios, às prisões, cujo contingente é predominantemente formado por negros e pardos. E o próprio sistema carcerário nutre o crime organizado, fornecendo mão de obra para as facções. É normal.
Mulheres seguem vítimas do preconceito. Como simbolicamente ocorreu com a escritora Fernanda Young. Ofendida em uma rede social, ajuizou um ação por danos morais, que foram reconhecidos. Para justificar o acanhado valor da indenização, o juiz referiu que a escritora já posou nua e é portadora de uma "reputação elástica", logo, mais suscetível às ofensas. É normal esse juízo sobre as mulheres.
Acostuma-se à violação dos direitos mais básicos. A desconsideração ao ser humano vira rotina, revelando um sistema patologicamente normal. Pouco a pouco, a imobilidade das pessoas também vira normal e, ao fim e ao cabo, normalmente se embrutece.