* Jornalista
Sei que há coisas bem mais importantes para se preocupar neste mundo. A fome na África ou em alguma vila próxima banhada por falta de saneamento são duas delas. Mas resolvi despender um pouco de tempo para refletir sobre o episódio do "Se nada der certo" ou "Se tudo der errado", como queiram, que virou notícia nacional. Inevitável não pensar sobre o tema. Porque sou de Novo Hamburgo. E não que isso me orgulhe muito. Pelo contrário.
Não é histeria e nem exagero considerar que o que ocorreu foi um erro crasso. Muito provavelmente entre os próprios alunos, surgiu a ideia, o enredo, as fantasias. E concretizar essa ideia não era uma questão de ir lá e fazer. Houve apoio externo e interno, acredito. Confeccionar peças de tecido para fantasias requer tempo, projeto, orçamento, um pedido.
Por isso, acho que os menores culpados são justamente esses jovens cheios de boas ideias, porém atrelados a uma bolha na qual habitam, sem culpa, um mundo próprio, igualmente cheio de sonhos.
Intriga-me, portanto, ler adultos desconsiderando a idade dos suspeitos. Intriga-me mais ainda a passividade dos pais e da Fundação Evangélica. Por mais que essas crianças vivam em uma bolha, é preciso que os responsáveis abram seus olhos com senso crítico. E isso, nitidamente, não se fez presente neste episódio.
É preciso explicar e exemplificar, a esses adolescentes, que a gente mora em um país complicado (para não dizer "de merda"), fadado ao fracasso e corrompido do Amapá ao Rio Grande do Sul - antes que gritem, eu acho que o Brasil tem um potencial enorme etc. e tal, mas sabemos como funciona, né?
É preciso mostrar que a realidade da maioria das pessoas - entre elas vendedores ambulantes, entregadores de jornais e faxineiras - é ir ao trabalho, pegar um ônibus ruim, caro e lotado, comer, olhar um pouco de TV, dormir e acordar para recomeçar e refazer esse mesmo caminho cinco vezes por semana, sem direito a diversão - exceção ao churrasco do final de semana no qual, muitas vezes, o álcool é o combustível para a disfunção familiar plena.
Esses jovens, dentro de suas bolhas, esquema escola-cinema-clube-celular-televisão, não sabem disso. Mas alguém precisa dizer. Alguém precisa informar-lhes a respeito da realidade brasileira de maneira firme e sensata, sem desmerecer a boa qualidade de vida que eles podem ter no futuro. Talvez falte coragem, não sei. Nossos representantes estão aí para provar que este país não é um bom case de hombridade.
Errou também a imprensa. Jornalisticamente falando, o enfoque da matéria era outro. Deveria ter sido crítico e com relevância social, tal qual o jornalismo deve ser. Mas jornalista também erra, e o pior, o nosso trabalho está exposto todos os dias. Que sirva de lição. Que se aprenda com o equívoco. Era o que eu gostaria de ouvir da Fundação também - a instituição, por sinal, não foi a primeira a sediar esse tipo de atividade, outras escolas já haviam feito o mesmo. Não preciso entrar no mérito da histórica qualidade de ensino da Fundação Evangélica. Conheço pessoas que lá estudaram e que são magníficas, social e profissionalmente. Mas tamanho respeito e credibilidade poderiam ajudar a esclarecer mais alguns conceitos, e não menos.
Por outro lado, vi gente dizendo ou li gente escrevendo que "isso é Novo Hamburgo", que "Novo Hamburgo é assim mesmo", que isso, que aquilo, como se o fato fosse privado a uma cidade que, invariável e historicamente industrial, sempre foi e dificilmente deixará de ser conservadora, o que eu, particularmente, acho uma pena.
Mas há conservadores também em lugares onde a Terra já andou um pouco mais. Há gente besta, bacana, burra, inteligente, feia, bonita, culta e ignorante em todos os lugares, lamento informar. Vocês, que dizem que Novo Hamburgo é isso ou aquilo, também vivem em uma bolha.
Conclusão: a brincadeirinha inocente e bestial poderia ter partido de qualquer aluno, mas não poderia ter passado pelo crivo de pais e instituição. Não é só em casa ou só na escola que se aprende a ser melhor - e eu até acho que estresse devido ao vestibular pode ser combatido com trabalho voluntário, por exemplo. Aprende-se a ser melhor em casa, na escola, na esquina, na casa do outro, na vida em sociedade