* Professor de Economia da UFRGS
Vivemos tempos de meias verdades e meias mentiras. De fato, as piores mentiras, e as mais perigosas, são aquelas que contêm algumas verdades. O governo federal nos diz que as contas da Previdência impedem o equilíbrio fiscal, que sem reforma trabalhista não haverá crescimento econômico; o governo do Rio Grande do Sul afirma que sem privatizações e sem o fechamento das fundações não poderá focar na provisão de bens públicos essenciais; o governo de Porto Alegre justifica que não pode repor a inflação dos salários dos servidores para poder investir mais. No meio de algumas verdades, arrisco que existem três tipos de mentiras principais:
Mentiras tipo 1: "As estatísticas atuais são um bom parâmetro para decisões de longo prazo". O déficit da previdência é real (apesar da questão sobre a desvinculação das receitas da União) e deve aumentar não somente pelo envelhecimento de nossa população mas por não termos investido nas escolas brasileiras (déficit futuro de capital humano). Frequentemente os números da Previdência são apresentados como % do produto interno bruto (PIB). Em um momento em que o país chega a 14 milhões de desempregados, com queda correspondente na arrecadação, aumento de juros da dívida pública e uma recessão histórica (ou seja, PIB menor), tanto numerador quando denominador fornecem % déficits maiores no curto-prazo. Tirar conclusões de longo prazo unicamente nessa base é extrapolar de maneira indevida as circunstâncias históricas. A mentira é o exagero da verdade dos fatos.
Mentiras tipo 2: "Se essas despesas públicas forem cortadas, o crescimento vai voltar". Como exatamente? A queda da taxa de juros é tudo o que necessitamos? O crescimento somente volta de modo sustentável se problemas de infraestrutura, burocracia irracional, impostos altos, corrupção, gargalos logísticos, de capital humano e institucionais forem resolvidos. Mas enquanto o bode é trazido para a sala, as reformas estruturais não são feitas, a começar pela necessidade de uma educação de qualidade. A mentira é vender a panaceia do ajuste macroeconômico como se todo o resto não importara.
Mentiras tipo 3: "O aperto fiscal é sinal de austeridade". Os governos das diferentes esferas têm cortado orçamentos e contingenciado despesas incluindo áreas essenciais como saúde e educação enquanto mantêm altos gastos com publicidade e salários no Legislativo e Judiciário. A contenção linear de gastos não vale para todos e evita o enfrentamento de problemas internos à gestão pública. No Rio Grande do Sul, privatizar estatais e fechar fundações como meio de obtenção de caixa extra no curto prazo é no mínimo uma miopia administrativa. Do mesmo modo, em Porto Alegre, achatar salários de funcionários em áreas onde a qualidade do capital humano é o elemento definidor da qualidade dos serviços públicos é incompreensível. A mentira é dizer que somente a austeridade vai resolver tudo pois muito mais precisa ser feito em termos de gestão.
Além do mais, é mentira que o crescimento econômico beneficia todos da mesma maneira. É mentira que as novas regras da Previdência não prejudicarão aos mais pobres. É mentira que a reforma trabalhista vai incentivar o capital privado enquanto reformas estruturais não forem implementadas. É mentira que podemos desprestigiar o funcionalismo público sem diminuir seus incentivos. Por fim, a maior das mentiras é acreditar que a busca cega pela eficiência econômica vai resolver nossos problemas de justiça social.