Minha amiga me liga assustada. Está um pouco eufórica um pouco antes do almoço. Ela nunca me liga. Por isso atendo. A mãe dela morreu não faz muito tempo e, nessas horas, é bom estar por perto. Nessas horas, é possível até ocupar o lugar do morto, por um tempo.
Custo um pouco a entender que sua euforia, a quase falta de ar, advém de um programa de rádio que ela acaba de escutar. "Liga agora na Gaúcha", me diz, "o cara lá, aquele que a gente odeia, tá falando tudo o que a gente acha! Tô chocada". Eu não tenho rádio, não quero ter. Escolho a mídia pelos anunciantes, por isso fujo. Vivo sempre esse constante estado de fuga, sempre atenta a quem paga o papel que eu leio. Não ligo na Gaúcha.
Na internet, o diretor de que eu gosto e sigo também está assustado. Súbito, passa a concordar com as ideias do "pensador" que, de tanto tentar esquecê-lo, agora não consigo lembrar nem mesmo como se chama. Colunista da Veja e da rádio Jovem Pan, cuja postura depõe tanto sobre si, foi grampeado conversando com sua fonte, a hoje presa irmã do Aécio. No áudio, parece que esse cara Reinaldo teria chamado a reportagem da Veja, revista da qual é colunista, de "nojenta". Eu, muitas vezes, tive nojo de matérias e de opiniões veiculados pelo jornal para o qual escrevo. Sobre os meus textos aqui publicados, elogios vem sempre com um adendo "MAS" é na ZH. "PENA" que seja lá.
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O fator Reinaldo Azevedo vem para embaralhar. Diz ele que vem para calar a boca das "INIMIGAS". Não ataca o analfabetismo de Lula. Respeita a prosódia do presidente. O que parece não tolerar é essa tacanhice classe média concurseira nova rica viciada em férias e auxílio moradia que chegou ao Judiciário. Lula pode falar errado, um juiz não!
O juiz não pode escorregar na erudição. Escutando o áudio da entrevista na Gaúcha, o tom de Reinaldo lembra a prepotência de um aspirante a diretor de uma escola na qual estudei na infância. "Um juiz não pode dizer 'câmera' quando está se referindo à Câmara dos Deputados!", brada minha amiga, professora primária. Ela tem medo de, agora órfã de mãe, virar devota de Reinaldo Azevedo. Esquerdista convicta, teme a tentação do pai. Gargalhamos até o fim antes de desligar.
Amassando o pão que eu não vou comer, penso não fazer nem um ano de é só tirar "ela" que as coisas melhoram. Lembro dos machismos prevaricadores escancarados na cínica expressão "Tchau Querida". Lembro das manifestações, dos patéticos verde amarelos nos convocando para as suas domingueiras sem partido e vejo os postos que hoje eles ocupam nas administrações de partidos sete palmos abaixo da lama da corrupção. Penso no que seria o Brasil se todos pensassem como esses gaúchos eleitores dos que aí estão e me pergunto quanto tempo ainda falta para que os daqui também sejam desmascarados. Tenho medo de que nunca serão.
Espero que tudo ainda esteja só no começo.