* Jornalista
Fosse o Brasil um país parlamentarista, governos irresponsáveis ou corruptos seriam substituídos tão logo perdessem a confiança da sociedade. Não precisaríamos, por exemplo, ter passado por um processo exasperantemente lento de remoção de mandatários que enganaram o país, fraudaram o processo político-eleitoral e se apropriaram do Estado para acumular patrimônio material ou político.
Vimos este longo e penoso processo há pouco, e corremos o risco de ter de percorrer esta via crucis novamente, se Michel Temer não tiver, como Dilma Rousseff não teve, a grandeza e a humildade de renunciar. Outro impeachment, agora, justamente quando a economia começa a ensaiar uma tímida reação? Outra sequência interminável de chicanas jurídicas e políticas? Outro espetáculo de cinismo, em que a sociedade se divide entre duas deploráveis legiões de defensores de corruptos bons contra corruptos maus? Uma vez mais teremos de ver intelectuais, acadêmicos, jornalistas e artistas, usando algum poder de influência que ainda conservem nesta era de desintermediação, para defender seus respectivos bandidos de estimação?
Firmou-se entre nós, jornalistas, sempre ávidos por síntese e grandiloquência, a expressão "Abalo na República", entre outras definições equivalentes. Eu mesmo cedi a esta tentação, mas faço uma autocrítica. Não é a República que está sob abalo. Pelo contrário, a República floresce com vigor e brilho, acudida pelos remédios constitucionais e jurídicos que outros países, imagino, até possam olhar com inveja. O que está ruindo é o presidencialismo esdrúxulo, híbrido, que tem até medida provisória – e, pior, medida provisória à venda. Um presidencialismo que significa um cheque em branco. Mas e o impeachment? Bem, o custo social, político e principalmente econômico deste instrumento tornou-se tão evidente desde 2015 que me abstenho de comentar. O sofrimento de milhões de lares sem emprego e sem renda foi, espero, um aprendizado.
Muito se fala sobre os defeitos ou insuficiências do parlamentarismo. E, claro, eles existem e devem ser trazidos à tona no contexto de um debate maduro que, infelizmente, não vejo ocorrer. Estamos, penso, cegos pelo fetiche do presidencialismo, pela ilusão de que enfim virá, já está dobrando a esquina, o salvador da pátria. O produto deste autoengano podemos avaliar pelo saldo de três presidentes apeados do poder (sim, considero Temer entre eles) antes de cumprir o mandato, e tudo isto em menos de três décadas.
O parlamentarismo, por ser mais sensível à voz das ruas e à intervenção mais rápida e menos dolorosa contra maus governos, e contra governos de maus, atende muito melhor às exigências do país que queremos e precisamos construir pela via do diálogo. Sob este triste presidencialismo, não há recall possível. Elegemos governos que, ante uma crise, aferram-se ao poder, enquanto a casa pega fogo. Não há circuit breaker. Não há, como no parlamentarismo, um fusível para desligar a energia que move a crise. O Brasil arde sob este triste e patético presidencialismo.
Até quando?