Já falei com uma das filhas. Tentei falar com a outra e não consegui, mas como vive em Bagé, a probabilidade é bem menor. Falar com um amigo para desabafar só vai piorar o meu estado de espírito. Cada pessoa em Porto Alegre tem uma história de assalto para contar. E algumas delas com a morte de alguém da família. Estou angustiado, p... da cara, porque não posso fazer nada. Um canalha invade minha privacidade, me pega escrevendo de madrugada, atendo o telefone, desprevenido, e escuto aquela voz de mulher, igualzinha às vozes das minhas filhas, que diz desesperada: Pai, eu fui assaltada, fui sequestrada! E cai no choro.
Desligo imediatamente. Sei que é um golpe comum. Já tentaram me aplicar outras duas vezes, e sei como vai ser a sequência. Uma voz cavernosa, mas calma, dirá: Se quer sua filha de volta, siga as nossas instruções. E muita gente de boa-fé depositou dinheiro na conta desses canalhas e nada aconteceu com eles. Porque já estão presos, nos explicam. Mas não justificam a razão de os celulares serem recolhidos às centenas, a cada revista verdadeira das celas, e continuarem entrando facilmente nas prisões. Quem está levando os telefones para os criminosos? Ninguém sabe, ninguém viu. Quem está ganhando dinheiro com isso? E, se é impossível achar os culpados e puni-los, por que não bloquear o sinal dos celulares nas cadeias?
Em 1984, ainda jovem escritor, publiquei uma crônica sobre o crescimento do tráfico de entorpecentes nas escolas de Porto Alegre. Entre outras coisas, eu dizia que: se nada for feito para coibir a ação dos traficantes, a cocaína dos nossos filhos e netos estará garantida pelos próximos 20 anos. Na ocasião, tive que responder a um processo por injúria, calúnia e difamação às autoridades públicas que se consideraram ofendidas. Fui condenado a quatro meses de prisão, meu advogado apelou e eu aguardei em liberdade por ser réu primário. Fui absolvido, em 1985, na segunda instância. Agora, passados mais de 30 anos, pergunto: quem tinha razão?
A angústia que estou sentindo neste momento, com mais um golpe do sequestro da minha filha, que perturbou o processo criativo original, nesta madrugada, provocou este outro texto que ofereço ao leitor de Zero Hora. Talvez não seja mais a hora e o resultado venha a ser zero. E posso até ser processado outra vez por injuriar, caluniar e difamar quem está deixando entrar telefones nos presídios. Mas a única arma que tenho é a arte de escrever. E a estou usando novamente, sem perder a esperança.