Sob protesto e desconfiança do Ministério Público, do Judiciário e de organizações policiais, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado deve votar na próxima quarta-feira o projeto que modifica a lei dos crimes de abuso de autoridade. O ponto crucial das divergências é a Operação Lava-Jato: os opositores do regramento dizem que parlamentares investigados estão promovendo uma vingança e os defensores do projeto garantem que a intenção é disciplinar abusos em todas as áreas da administração pública. O debate radicalizado, da forma como está posto, lembra a célebre frase do humorista Millôr Fernandes: "Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim".
Não pode ser assim. Mais do que nunca, neste momento de depuração da política e da administração pública, o Brasil precisa encontrar um caminho sensato para o exercício da autoridade, sem restrições nem abusos. O sistema de freios e contrapesos é um pré-requisito da democracia. Nenhum poder pode operar com plena autonomia, sem o controle da sociedade por meio de outros poderes e ou de mecanismos constitucionais reconhecidos. A Constituição brasileira diz claramente que os poderes da República são independentes e harmônicos entre si, com definição clara da autonomia e dos limites de cada um.
Nesse contexto, parece incrível que os senadores responsáveis pelo novo projeto e os integrantes do Ministério Público não encontrem um denominador comum para a questão. Exageram os legisladores quando dizem que procuradores, juízes e policiais não querem aceitar controle algum e nem admitem ser punidos por eventuais excessos. Da mesma maneira, parece demasiada a campanha de integrantes da força-tarefa da Lava-Jato contra o projeto, sob o pretexto de que seu único objetivo é abafar a operação. Essas motivações até podem existir por parte de alguns integrantes dos dois blocos, mas não podem contaminar a maioria.
Ninguém ignora que atualmente o crédito dos responsáveis pela Lava-Jato é imenso junto à população, ao mesmo tempo em que a classe política está abaixo da crítica. Neste contexto, não há como divergir de quem afirma que o maior abuso é a corrupção. Mas não é disso que se trata. O essencial para o país é que o tema do abuso de poder seja regrado com clareza e justiça, pois não vale apenas para o conturbado momento por que passa o país. Vale para o futuro da democracia brasileira.