Grande parte da classe política, independentemente de partidos ou de orientação programática ou ideológica (?), bem como segmentos do setor empresarial, encontra-se apreensiva e, compreende-se, reativa com o andamento das investigações sobre corrupção e com as primeiras condenações. Momento talvez inédito, e, portanto, histórico para o país, não tanto pelo desvelamento da realidade da corrupção na modalidade de crime organizado, mas sobretudo pelo combate social e jurídico a ela. Seguramente, eventuais excessos cometidos nesse processo de combate devem ser criticados e censurados, mas muitas vezes têm se transformado em pretexto, por parte de acusados ou denunciados, para desqualificá-lo. Nesse contexto, procura-se, por exemplo, de forma direta ou indireta, ressuscitar a velha tese de crime de hermenêutica, para atingir as ações da Polícia Federal, do Ministério Público, e, até mesmo, a jurisdição, ou seja, o Judiciário.
No início da República, no final do século 19, em episódio envolvendo magistrado gaúcho, denunciado por pretensamente "julgar ou proceder contra literal disposição de lei", Rui Barbosa, seu procurador, sustentou que "para fazer do magistrado uma impotência equivalente, criaram a novidade da doutrina, que inventou para o juiz os crimes de hermenêutica, responsabilizando-o penalmente pelas rebeldias de sua consciência ao padrão oficial no entendimento dos textos". Procurava-se já atingir a liberdade de convicção judicial, com fundamento, antes de tudo, nos textos legais, ou seja, o princípio do livre convencimento motivado. O duplo grau de jurisdição impõe-se também e sempre como remédio para sanar eventuais erros ou equívocos de interpretação da lei por parte do magistrado.
O sentimento de impunidade, por um lado, e a surpresa para com os procedimentos de investigação e de responsabilização, por outro, têm provocado reações, por parte daqueles setores, no sentido de limitar, conter, domesticar se possível, a ação importante, no combate à corrupção, de instituições que tem cada vez mais se firmado e se legitimado no cenário jurídico e social recente.
Nesse contexto, tudo parece valer para atingir o objetivo, inclusive a construção de narrativas, imaginárias ou falsas, no já velho estilo da denominada "pós-verdade". Apesar de tudo, o país parece pouco a pouco avançar em termos de referenciais jurídicos e constitucionais. O desalento que por vezes perpassa a alma resulta de sentimento passageiro, momento de encontro com a nossa realidade, que parecia para muitos que não existia, mas momento necessário para transformar essa mesma realidade.