Não faço a menor ideia de quem possa ter sido o atilado jurisconsulto penalista que elaborou a cartilha processual dos corruptos, mas bem que poderia ter dado uma caprichada melhor, pois a peça-luzeiro precisa com urgência de um upgrade. Está ultrapassada, talvez pelo uso continuado, e até entendo que a culpa não seja do silabário, mas do acúmulo de seguidores, com crescimento vertiginoso, até de forma desordenada. Se a corrupção no Brasil é endêmica ou epidêmica, pouco importa, mas bem que os salafrários poderiam ir com mais parcimônia ao pote. Afinal, ele sempre estará à mão de semear lá no final do arco-íris, tanto faz se o governo joga pela direita, pela esquerda ou simplesmente distribui o jogo pelo meio-de-campo.
O primeiro capítulo da compilação elementar prega, em linhas gerais, o cultivo da secular arte de negar em seu estágio mais lapidado. Recomenda-se ao corrompido, quando apanhado com a mão na massa, que morra negando ter sido ele o autor da safadeza. Uma negativa que deve chegar à beira da exaustão, mesmo diante de todas as evidências, fatos e circunstâncias materiais, pois num país apinhado de ignorantes, sedentos por serem enganados, não faltará quem acredite na mentira e subestime a verdade.
Ah, e não esquecer jamais daquele ar de indignação, a ser exibido frente às câmeras. De todo salutar a cara de brabo, à la Collor de Mello, vociferando aos delatores, dedo em riste, que mostrem as provas, e se elas vierem à tona, diga que são imprestáveis, foram forjadas, adulteradas, pois tem a mais absoluta certeza de que é inocente, conforme ficará demonstrado através do devido processo legal. Em caso de condenação, proclame por entre os dentes, para que ninguém ouça, que abandonará no outro dia a vida pública.
Passo seguinte do livrinho: mesmo que apareça um vídeo, mostrando, com uma clareza capaz de cegar, o exato momento em que a propina é mocozeada com indisfarçada rapidez no bolso do paletó, o corrupto deverá vir a público informar que tudo não passou de grotesca montagem orquestrada para prejudicá-lo. Obra da oposição irresponsável e vingativa. Para que tudo seja devidamente esclarecido, brada o pervertido pela realização de perícia técnica, a ser feita por alguém isento, preferentemente por ele indicado.
Ultrapassada, sem sucesso, a fase da negativa da autoria, e não podendo a parte visual e telefônica da delação ser desmentida, manda a cartilha que o corrupto siga o caminho do choro. Chorar muito do alto de uma tribuna, copiosamente, de fazer barro. O povo não suporta ver alguém chorando que já sente pena e absolve, tal como acontece no Tribunal do Júri. E se tudo correr bem, como manda o figurino, daqui a quatro anos o corrupto voltará à cena do crime com o dobro da votação, mais calejado, mais cuidadoso, mas com a velha sede de ir novamente ao pote, que sempre estará à mão de semear lá no final do arco-íris.