Todas as falas do governo do Estado tratam de um único tema: a crise financeira do Rio Grande do Sul. A narrativa é simples. Apela-se para a história da dona de casa que não pode gastar mais do que recebe. Mas será mesmo assim?
Para entendermos esta história, temos que voltar no tempo. Entre os anos 1995 e 1998, a dívida dos gaúchos se multiplicou sem que eles tivessem gasto nada a mais. Isso porque o governo federal (FHC) resolveu elevar absurdamente o índice que corrigia a dívida. Do dia para a noite, a dívida do Estado saltou de R$ 24 bilhões para R$ 53 bilhões!
Mais do que isso. Como FHC promovia um câmbio demagógico (1 real valia 1 dólar), o Brasil não conseguia exportar, e as indústrias começaram a quebrar. Ao invés de corrigir o câmbio, FHC aprovou a Lei Kandir, pela qual as empresas exportadoras deixavam de recolher tributos estaduais. O rombo desta lei chega hoje a R$ 45 bilhões no RS.
Gastando muito mais com a dívida e arrecadando menos pela Lei Kandir, os Estados entraram em crise. Nada a ver, portanto, com a história da dona de casa gastadora.
Hoje, há uma renegociação da dívida dos Estados em curso e o STF condenou a União pelos prejuízos causados pela Lei Kandir. O encontro destas contas pode resolver o problema do endividamento do Estado, mas, estranhamente, nenhuma iniciativa do governo Sartori busca essa solução. Por quê?
Talvez a resposta esteja no livro A Doutrina do Choque, de Naomi Klein. Ela descreve a estratégia do "capitalismo de desastre", em que a ideia da crise não deve ser evitada, mas exacerbada para que, "atordoada pelo pânico, a população aceite políticas que, em outra situação, jamais aceitaria, impondo mudanças súbitas e irreversíveis". A fórmula salvadora consiste sempre em privatização e cortes nos serviços sociais. Algo a ver com o Rio Grande?
A verdadeira crise do Rio Grande é o sofrimento de seu povo, suas privações, sua insegurança, sua saúde depauperada, sua educação destruída. Com ela Sartori pouco se ocupa. A crise financeira tem hoje sua possibilidade de superação, mas tampouco isso ocupa Sartori. É que a crise é o programa, a estratégia e a única desculpa de Sartori.