Luísa Geisler
Escritora, autora de Luzes de Emergência se Acenderão Automaticamente (2014)
Queria escrever sobre uma visita recente a Londres, mas não posso falar da Inglaterra sem o Brexit. Não posso fazer um longo tratado sobre o gato Larry – Chief Mouser to the Cabinet Office, o Caçador Executivo de Ratos do Gabinete Oficial da casa da Primeira-Ministra britânica – sem falar de um protesto na Downing Street. Por ser um protesto a respeito da visita do primeiro-ministro de Israel a Londres, seria necessário falar da Palestina também.
Queria reclamar um pouco do meu trabalho. Mas não posso abordar o tema sem entrar em um pequeno ensaio a respeito do famoso outdoor estúpido de "não fale em crise, trabalhe".
Queria falar de como sinto saudades de casa, do Brasil, de Porto Alegre. Mas não sem mencionar a situação política no país. É um tema mais importante, não? É importante falar da visita de Sergio Moro a Nova York, ridicularizando sua fala de que não existe motivação política na Operação Lava-Jato, não?
Queria escrever sobre morte, sobre existência, sobre envelhecer, mas parece que não posso falar sobre morte sem abordar a questão de Dona Marisa e Lula. E independentemente do que disser, o que de fato disse vai estar errado também.
Tem sido difícil falar do clima, daquele meio-termo em que todos falam de como continua esquentando. Aquela zona de absorção de impacto que permite o convívio mínimo. Sim, pois é, chuva é ruim para sair de casa, mas é bom para dormir de tarde. Isso mesmo, mas vai abrir o tempo, sim, eu vi na televisão. Mas nunca dá pra confiar muito, não é? Aham, manda beijo pra ele, tchau.
E esta crônica não é pró-alienação. Não é a respeito de evitar temas que incomodem ou de reprimir o que de fato causa melhora social. Se ninguém falar de racismo, não existe racismo; e se ninguém falar de racismo ou de violência doméstica, será que realmente deixam de existir? Ignorar algo não resolve. A Women's March contra Trump não foi só a coisa mais linda, mas a coisa mais fundamental.
Sou a favor de todas as explosões, mas de todas as conversas de elevador. A oposição das duas é falaciosa. A pichação bastante conhecida "Enquanto te roubam, tu grita gol" é falaciosa. Como se futebol e interesse político fossem excludentes. Aliás, não posso mencionar uma pichação sem fazer um tratado a respeito de arte e vandalismo, com uma pequena análise do prefeito de São Paulo.
E não posso falar sobre querer falar do banal sem falar do politicamente correto. Este que, quando bem tosqueado, é excelente. Sou a primeira a não ver graça em piada com temas que não têm graça mesmo. Apoio ações afirmativas. No entanto, ainda me parece que sobraram cerca de três frases gerais o suficiente para permitir a socialização.
Gosto do flexível material de absorção que evita o choque direto entre duas pedras. A ideia de achar um compromisso, uma harmonização, transigência. Inclusive, me pergunto se não caberia aqui uma observação a respeito da apropriação cultural das ideologias orientais, porque tudo isso parece um pouco zen. Aliás, "orientais" também é problemático.
Queria falar de como tenho cansado de perder amigos, pessoas com quem tomo uma cerveja sem problema algum. Mas não posso falar disso sem parecer alienada e reacionária.