Trump, Temer e Sartori, descontadas diferenças de temperamento e alcance, têm uma coisa forte em comum: desprezam e até afrontam a opinião pública. Alinhados sem combinação prévia, um mais histriônico e sem-noção, outro enrolão em seu bacharelês que encanta gente reacionária e o terceiro quieto e com cara de assustado, os três não atendem ao debate postulado pela dita opinião. Convidados a discutir, fazem de conta que não é com eles, ou xingam a imprensa, uma das componentes essenciais e mais visíveis da mesma opinião pública.
Se o leitor que chegou até este segundo parágrafo é conservador, já uma luz amarela piscou em sua cabeça: como assim, "opinião pública"? Esse cara está é querendo dizer que o trio deveria atender ao que quer a esquerda! Porque isso de opinião pública é coisa de esquerdista!
Não senhor, digo eu, em resposta. Opinião pública é uma instituição moderna, fundamental para a consolidação do mundo burguês, mais à direita ou mais à esquerda conforme o caso. Tomando em conta o caso paradigmático da Revolução Francesa, foi na arena da opinião pública que se disputaram os conceitos de democracia e igualdade de direitos, esses dois aríetes contra a antiga fortaleza aristocrática. Não só nela, claro, porque houve também a guilhotina; mas é no campo da opinião pública que a longo prazo as coisas se estabelecem.
Opinião pública é a voz múltipla das instituições – o parlamento, o mundo jurídico, o jornalismo, as associações profissionais e de classe, as sociedades científicas, as artes, em especial as artes letradas. Esse vozerio compõe o que estou considerando como opinião pública, e por aqui já se vê que não é abrangido o mundo da fofoca, da intriga, nem a maledicência e o compadrio. Nem é opinião pública o mundo da subordinação social, aquele que viceja à sombra de um poderoso, seja ele o patrão autoritário, o pastor enganador, o político cretino e de lábia fácil.
Historicamente, a opinião pública nasce depois da, e muito em oposição à vida comunitária, em que ninguém tem opinião divergente porque tudo é regulado pela tradição, assim como à vida do clã, da "famiglia". Opinião pública nasce na cidade e é terreno de divergência, de pensamento crítico, de equilíbrio instável; é o mundo do direito, da ciência, da dúvida, da arte exigente.
Tomemos o consabido caso do governo Sartori, que patrolou a oposição parlamentar e desconheceu o debate clamado publicamente, na praça e na mídia, obtendo a lei que permite a extinção das fundações. De um lado está o governo, e de outro o grosso da opinião pública – não é verdade que apenas servidores em vias de demissão reclamam: instituições sociais e científicas da mais alta qualidade, em coletivo ou na voz de figuras da mais sublime representatividade, de todo o país, deixam clara sua posição contra as extinções, que ademais não fazem cócega no real problema orçamentário.
Nelson Rodrigues lembrava um antigo jornalista, da geração de seu pai, que repetia: "A opinião pública é louca, é doida varrida!" Queria aludir à volubilidade que sacode, de vez em quando, o cenário, criando falsas unanimidades, contra ou a favor, como temos visto hoje tantas vezes nas redes sociais. Para confirmar a frase, Nelson lembrava o caso da multidão soltando Barrabás e mantendo preso Jesus.
Pois bem: nesses casos não se trata de opinião pública, no sentido aqui exposto, mas de manipulação e comoção das massas. Opinião pública é algo mais sutil e mais profundo, que não se mede pela emoção do momento.
Opinião pública é democracia com debate, num processo que vai formando maiorias e eventuais consensos.