A virada de ano preserva sempre um olhar duplamente orientado: para o que passou e para o que virá. Parece unânime a opinião de que 2016 foi um ano difícil. Os argumentos em favor dessa tese são quase irrefutáveis: crise política, desastre na economia, perdas na cultura (Ferreira Gullar e Umberto Eco, para citar apenas duas) e tragédias aéreas indeléveis (talvez nem precise citar). Construímos – quase sempre – algumas certezas: o ano foi difícil e o próximo ano será melhor. O que virá não sabemos, mas as esperanças, tal como as utopias, das quais fala Galeano, servem para que possamos seguir adiante.
Um ano marca o tempo cronológico, do calendário. Essa é uma temporalidade específica. O tempo de cada um, o psicológico, funciona de outra maneira. Existe o tempo em que precisamos conversar com a família. O tempo em que nossa filha leva para caminhar, falar. É clássica a definição de Santo Agostinho, para quem o tempo, se lhe perguntassem o que era, seria impossível responder. No entanto, ele sabia, intimamente, o que seria o tempo. Isso significa, em outras palavras, que nem tudo o que sabemos, conseguimos dizer.
Um ano novo é, então, limiar. Lugar de passagem. Mas talvez tenhamos que compreender que todos os tempos estão conosco no presente. Convivemos com essa temporalidade no espaço da lembrança. Escreveu Henri Bergson que a memória está unida às percepções presentes tal como a sombra junto ao corpo. Carregamos o passado, presente e uma projeção de futuro.
Em poema de 1946, Vinícius de Moraes escreveu: "De manhã escureço/ De dia tardo/ De tarde anoiteço/ De noite ardo". O texto termina com o verso: "– Meu tempo é quando". O eu-lírico sentencia uma temporalidade regida por uma lógica própria. E, assim, vivemos, na ambivalência dessa relatividade. Quem sabe o ano-novo seja a senha para uma autorreflexão. Quem sabe aprendemos a compreender e respeitar o nosso tempo. O tempo das nossas urgências e esperanças. Um tempo que seja, verdadeiramente, nosso. Um tempo para ser feliz.