Comemoramos, na terça-feira, o início da República democrática, concebida para alavancar o desenvolvimento brasileiro. Mas a atual crise, tão nociva ao país, evidencia que muitos fatores influíram na nossa formação. Embora vivendo uma democracia representativa, herdamos o patrimonialismo das capitanias hereditárias, onde quem tinha o poder era o "proprietário" do bem público. E, desta forma, cresceu o clientelismo populista e, com ele, a burocracia, que se utiliza de estruturas e de cargos públicos para abrigar "amigos" e "despachantes facilitadores". Nosso federalismo resultou na centralização que retirou a autonomia das municipalidades e dos Estados na administração das reivindicações regionais e, enfim, os poderes se descaracterizaram.
Hoje, o Legislativo usa emendas parlamentares como moeda de troca com o Executivo. Este, por sua vez, legisla com medidas provisórias. Também o Judiciário legisla baseado em jurisprudências, graças às tantas leis mal formuladas. Dezenas de partidos, sem propostas programáticas e destituídos de agendas de interesse do país, abrigam, apenas, demandas particulares. E, assim, nosso horizonte do planejamento nacional acaba sendo, mesmo, a próxima eleição.
A Constituição pós-ditadura é plena de direitos sem os correspondentes deveres e, com a ineficiência punitiva, criou-se o país da impunidade. Ações de redução da desigualdade e de inclusão social se descaracterizam pela corrupção e acabam por não criar cidadãos, mas dependentes do populismo eleitoreiro. Empresas estatais que competem com a iniciativa privada – subvertendo o papel do Estado promotor do bem-estar social – servem para distribuir cargos e sustentar a corrupção endêmica. A máquina pública, plena de benefícios que o cidadão comum não dispõe – tais como acúmulo de funções e benefícios, aposentadorias plenas, licença-prêmio –, ficou maior do que a sociedade.
O caos nas contas públicas nacionais, estaduais e municipais impõe a implantação de medidas duras, pois não existe outra alternativa ou maquiagem que possa contornar esta situação. Temos, todos, que ter a consciência de que o Brasil não chegará ao desenvolvimento econômico, social e político sem intervenções paradigmáticas na conjuntura republicana atual. E que as necessárias mudanças não ocorrerão sem o envolvimento da sociedade brasileira pois, até aqui, os políticos não cumpriram seu papel de defender o bem público e a sociedade.
Tenhamos a esperança de que esta crise redunde na imprescindível reforma do Estado e que, no próximo 15 de novembro, tenhamos, de fato, algo a comemorar. Pois o Brasil pertence a sua sociedade e cabe a ela definir o seu futuro.