As abstenções e os votos nulos e brancos do primeiro turno das eleições municipais estão sendo interpretados como uma mensagem de desencanto dos eleitores com os políticos e com as práticas políticas. O próprio presidente Michel Temer admitiu que se trata de um recado para que a classe política reformule costumes inadequados. Não há como discordar. Mas a campanha pela anulação de voto para o segundo turno, protagonizada por segmentos políticos que não tiveram seus candidatos preferenciais contemplados na primeira escolha, evidencia também desapreço à democracia, ao sistema de representatividade e a pelo menos uma regra do jogo eleitoral – a de que o governante da maioria é o governante de todos.
Ainda que seja motivado por ressentimento, o voto nulo não fere a legislação, pois a obrigatoriedade constitucional fica plenamente atendida com o comparecimento à seção eleitoral e o registro do voto na urna. Como o eleitor vota é questão exclusivamente dele. Mas quem opta por não votar em ninguém também fica com menos legitimidade para cobrar eficiência e honestidade do futuro governante, que inevitavelmente será escolhido por outros e terá ingerência sobre todos. Como registrou o escritor Frei Betto, um dos ícones da esquerda no país, "votar nulo ou branco é aceitar aquilo que há de pior".
Evidentemente, não se pode querer que eleitores derrotados no primeiro turno votem com satisfação nos adversários políticos de seus preferidos. O que cabe pleitear é que todos os cidadãos tenham compromisso com a democracia, que tem como princípio a convivência pacífica de ideias e ideologias diferentes. Nem tudo se resolve no voto, que é apenas a expressão do direito de escolha de representantes políticos. Mas o diálogo e a tolerância devem ser mantidos acima das disputas eleitorais, até mesmo para que, a cada quatro anos, os brasileiros possam decidir com liberdade pela continuidade ou pela substituição dos governantes e parlamentares eleitos pela maioria.