A tese do golpe, tal qual um fantasma, assombrou o processo de impeachment desde o início. A respaldar a tese, a afirmação de que a ex-presidente Dilma não teria praticado crime de responsabilidade. Isto é, as pedaladas fiscais não seriam crime. E, sem crime, não poderia ter processo.
E não é que o golpe ocorreu? O fantasma, ao final, se materializou. Houve um golpe. Não pela razão apresentada. Houve uma trama mais bem urdida. Os senadores acordaram em separar a pena constitucionalmente prevista para a presidente condenada pelo impeachment. Dispõe a Constituição: nos casos de crime de responsabilidade, os senadores votam a perda do cargo com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. A pena é perda do cargo com inabilitação. Onde estaria a possibilidade de "fatiar" e separar as penas?
Aí está o golpe: senadores alteram a Constituição conforme seus interesses de ocasião. E, com essa alteração, abrem as portas para a impunidade. Pois essa exótica decisão será útil em casos que envolvam outros políticos investigados e ameaçados com a perda de mandato.
Argumentou-se que no caso do impeachment de Collor esse fatiamento teria ocorrido. E que ao Senado cabe definir se as penas são passíveis de serem separadas. Esse foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) à época. Agora, essa questão deve retornar ao STF, que, mais uma vez, estará na berlinda. Espera-se que o STF afirme o(s) valor(es) da Constituição, e não a submeta aos interesses da classe política.