Tive a sorte de ter um pai afetivo. Isto ajuda na vida. Faz-nos crescer mais felizes. Mas há gente que não tem esse privilégio. E é forçada a conviver com um pai perverso, maravilhoso na frente dos outros, mas cruel na intimidade.
Como milhares de brasileiros, assisti aos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. Foi lindo ver a cidade limpa, o trânsito organizado e com uma sensação de segurança nas ruas.
Há tempos eu não via famílias inteiras a passear, livremente, pelas calçadas. Foi como se a cidade, antes dominada por bandidos, voltasse a pertencer a seus moradores.
Senti um orgulho imenso. O medo desapareceu durante a Olimpíada. Caminhei por Ipanema, jantei na Lapa. Fui ao Maracanã com a família. Tinha até cadeira de rodas.
No avião, de volta a Porto Alegre, imagens memoráveis do evento passaram por minha cabeça. Todas belíssimas. Contudo, parei na cena do prefeito Eduardo Paes, com o chapéu de Santos Dumont, acenando para a multidão.
Lembrei-me de sua conversa debochada com o ex-presidente Lula sobre a história do sítio de Atibaia. Segundo Paes, a propriedade, sob a suspeita de ter sido reformada com o nosso dinheiro, era para pobre, não para gente como eles.
Dei-me conta de que eu quase caíra em sua farsa. Por pouco, voltaria para casa, achando-o um prefeito competente. Esqueci-me da forma desumana com que as pessoas são tratadas na Cidade Maravilhosa.
Ficarão as obras dos Jogos Olímpicos, sim. E as melhorias no transporte público. Conquistas importantes, sem dúvida. Mas daí a canonizar os seus organizadores há uma distância muito grande. Os políticos têm por tradição não dar a menor bola para o sofrimento do povo brasileiro.
Logo, a Guarda Nacional partirá. E o Rio de Janeiro retornará ao seu estado natural de guerra civil. Uma cidade de pessoas amedrontadas, ocupada por traficantes, refém de bandidos e de balas perdidas.
Os turistas estrangeiros irão embora, impressionados com a nossa eficiência olímpica. E isto é bom. Mas o povo brasileiro, infelizmente, terá de volta o seu pai perverso, que na frente dos estranhos se faz de bonzinho, mas, quando está sozinho, maltrata a família.