Medalhista de prata no salto com vara, na Olimpíada do Rio de Janeiro, o francês Renaud Lavillenie comparou a torcida brasileira aos nazistas que vaiaram o atleta negro Jesse Owens na Berlim dos anos 30. Teria ido longe demais? Saltado com as palavras acima da tolerância?
Aos nazistas faltou tanta coisa, que é comum faltarem palavras para descrever os horrores do Holocausto. Muitos se aventuraram nas buscas, mas poucos realmente as encontraram. Um Primo Levy. Um Bruno Bettelheim. Poucos. Outro deles, o Theodor Adorno, vaticinou que nem haveria mais poesia depois de tanta atrocidade.
A escassez de relatos possíveis é tanta, que, ainda hoje, não conseguimos explicar claramente os motivos de tamanha chacina. Entre causas possíveis, avulta a ideia de que aos nazistas faltou empatia. Já são conhecidos os estudos da infância de vários deles, incluindo Adolf Hitler, expondo a falta de cuidados verdadeiros desde a mais tenra idade.
É possível. A esta altura da aventura humana, temos indícios suficientes para desconfiar de que os afetos são a base de tudo. Deles nasce a possibilidade de um desenvolvimento humano adequado. Deles nascem os encontros, as relações humanas e, delas, as palavras, os pensamentos e a capacidade de tê-los e dizê-los em vez de cometer atos hediondos. Como disse Anne Frank, outra das vítimas que não perderam a capacidade de expressão, o papel aceita tudo, mas a vida, não.
Os esportes com suas Olimpíadas, assim como as artes com seus diversos meios de expressão, candidatam-se ao que criamos de melhor para evitarmos fazer o pior. Eles também nascem de afetos, construídos no começo da existência e depois se banham da capacidade de produzirmos símbolos, esse salto mais alto, esse passo mais longo, o melhor de nós.
Pode ter faltado fair play aos torcedores brasileiros, podem ter sobrado ímpetos nacionalistas, mas tudo se passou numa pista de esportes. E isso faz toda a diferença quando se trata de vida e de morte.