No seu contundente discurso da última quinta-feira em que encaminhou o voto pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que renunciou em 1992 para não ser afastado em processo semelhante de impedimento, fez uma dura crítica ao chamado presidencialismo de coalizão _ segundo ele, a raiz de nossas mazelas e uma verdadeira fábrica de crises. Ainda que a fonte da advertência seja suspeita, pois Collor não honrou o mandato como primeiro presidente eleito diretamente depois da democratização e hoje, como parlamentar, continua enredado em irregularidades apuradas pela Operação Lava-Jato, o tema merece a atenção das lideranças políticas e também dos liderados. Que sistema de governo é esse que gera crises e desfaz o que os cidadãos tentam construir pelo voto?
Presidencialismo de coalizão, termo criado pelo cientista político Sérgio Abranches, significa acordos e alianças entre forças políticas, mais especificamente entre o Executivo e sua base de apoio no Legislativo. No Brasil, sucessivos governos deixaram essa relação se desvirtuar para uma troca de favores pouco republicana. Para garantir sustentação parlamentar, os governantes veem-se obrigados a oferecer ministérios, cargos públicos e até mesmo recursos orçamentários para políticos e partidos com poder de voto no Congresso e nas assembleias legislativas. Criado para assegurar a governabilidade, esse sistema de alianças de ocasião se transformou no gatilho do aparelhamento do Estado e numa verdadeira arapuca para o chefe do Executivo, que fica refém do que se convencionou chamar jocosamente de base alugada.
Dilma caiu nessa armadilha. Certamente não é só por isso que ela está afastada do poder e ameaçada de perder o mandato, mas mesmo seus equívocos administrativos e sua arrogância teriam assumido menor dimensão se ela contasse com apoio parlamentar consistente, construído em torno de identidade programática e compromisso com o país. Um governo de coalizão só funciona se for ideológico _ e não fisiológico. Se Michel Temer seguir o mesmo caminho _ e o anúncio do ministério parece indicar isso -, o país corre o risco de ver a tal coalizão virar novamente uma colisão, que gera antagonismos e destrói convicções, esperanças e futuros.
Editorial
Presidencialismo de colisão
Editorial diz que um governo de coalizão só funciona bem se as alianças forem ideológicas, e não fisiológicas como têm sido nas últimas administrações do país.
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