A série de conversas telefônicas entre altos figurões do PMDB não revela apenas as tramoias para "parar a sangria" da Lava-Jato e impedir que "pegue todo mundo", até Aécio Neves e o PSDB. Mais do que isto, mostra como o exercício da política tornou-se uma conspiração em que todos são cúmplices.
Um protege o outro, os adversários se unem e se solidarizam para apagar os rastros do crime.
Tantos são os cúmplices que é difícil saber quem é o pirata-chefão. Falam entre si como se – para obstruir a Justiça – tudo se permitisse, até afastar a presidente da República.
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O mais ousado e franco foi o senador Romero Jucá, antes do "impeachment" e de ser o ministro preferido de Temer. Furioso com a inação de Dilma para impedir a Lava-Jato, foi direto: "Tem que se resolver essa porra. Tem que mudar o governo para poder estancar esta sangria".
A conversa de Jucá e Sérgio Machado, ex-senador do PMDB e diretor nos governos Lula e Dilma da Transpetro (subsidiária da Petrobras), revela a podridão de outra conspiração – a dos políticos e grandes empresas.
"Ela é fraca, não tem capacidade", queixam-se de Dilma, um ao outro. Não se queixam do seu governo medíocre, mas da presidente, por não ter sido capaz de travar a marcha da Lava-Jato. Ou de "passar a borracha", fazer "um pacto", "até com o Supremo Tribunal", e dar fim às prisões.
– Conversei com alguns ministros do Supremo e eles dizem que só há condições sem ela. Enquanto ela estiver (...) essa porra não vai parar nunca – diz Jucá, acrescentando, em alusão ao impeachment:
– Estou conversando com os generais, comandantes militares. Tudo tranquilo. Os caras dizem que vão garantir!
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Haverá o que temer? Denunciado na Lava-Jato e atual presidente do PMDB, Jucá era todo-poderoso ministro de Temer quando a conversa foi divulgada, mas o presidente provisório não se perturbou. Elogiou sua "competência excepcional e imensa capacidade política" e o ministro licenciou-se do governo. Só isto – uma licença. E sem nada temer, Temer avisou que Jucá voltará se nada apurarem contra ele.
Em seu lugar nomeou Dyogo Oliveira, investigado por corrupção na Operação Zelotes...
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Os absurdos são tantos que toda tentativa de análise é superada pelo cinismo das conversas. Machado gravou tudo para futura "delação premiada" na Lava-Jato...
E saltaram conversas estarrecedoras também com Renan Calheiros e José Sarney. Daí em diante, ninguém se salva. "Fui 10 anos do PSDB, sei o que é aquilo. Todos sabem quem é o Aécio", diz Machado, insistindo:
– O Aécio é o mais vulnerável do mundo.
Renan concorda e conta que o ex-candidato presidencial o procurou, com medo, para saber o que o senador Delcídio Amaral (ex-líder do governo Dilma) havia dito em delação premiada...
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O medo à Justiça é tema de todos.
"A ditadura da Justiça está implantada", diz Sarney. A Lava-Jato e o juiz Sergio Moro são "a Torre de Londres, onde o réu morria ou confessava", diz Jucá. O procurador-geral Rodrigo Janot "tem certeza que eu sou o caixa de vocês", diz Machado a Renan, que replica: "Isto não pode acontecer".
Machado dirigiu a Transpetro durante dez anos e sete meses, com Lula e Dilma. Em 2015, "licenciou-se" após auditores norte-americanos suspeitarem de contratos de R$ 8,8 bilhões com 27 empresas igualmente suspeitosas...
E pediu ajuda a Sarney. "A Odebrecht vem com metralhadora ponto 100", diz o ex-presidente. Lembrou que seu amigo, César Rocha, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, "tem muito acesso ao ministro Teori Zavascki, tal qual o advogado Eduardo Ferrão", e prometeu ajudar.
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Jucá revelou outro segredo da conjura – a nomeação de Lula para a Casa Civil de Dilma buscava fazê-lo governante de fato e, "hábil como é", resolver "a sangria da Lava-Jato".
Na reunião do ministério (já sem Jucá), Temer deu um tapa na mesa e disse que sabe governar, pois foi secretário de Segurança e está habituado a "tratar com bandidos".
Há três semanas, disse aqui que o impeachment desvia a atenção de um detalhe fundamental – localizar a máfia que domina o Estado.