Antigamente havia, das cinzas até a Páscoa, um tom fortemente cinzento, de cruéis penitências, orações intensas e sacrifícios exagerados. Era um período extremamente escrupuloso. Não se podiam fazer festas, ir a bailes, celebrar casamentos, fazer folia... A exigência da conversão se dava meio de sermões apavorantes, que lembravam o fogo do inferno, na reflexão constante da via-crucis. A cruz era o ícone para uma verdadeira revisão de vida. O acento se dava no temor apavorante de Deus, visto na figura de um juiz condenatório, não naquele Pai misericordioso.
A quaresma de nossos dias parece que perdeu totalmente o sentido. Caímos num outro extremo, infelizmente. Tudo é permissível. Nada é proibido. Não existe pecado pra ninguém. O inferno parece ser invenção. Qualquer dia é dia de festa, bebedeiras e abusos. Penitência e conversão, coisa do passado. Quaresma se vê como um período qualquer. Não se reza mais com ardor. Se pecado ninguém faz e tem, confissão, para a maioria, é coisa ultrapassada. A cruz é um símbolo como tantos outros.
A Igreja, nesse tempo quaresmal, faz um apelo muito grande de conversão de cada um. Que cada pecador se arrependa. E Deus aguarda essa volta para sua casa, com os braços abertos. O papa Francisco tem sido um profeta do perdão divino, proclamando o Ano Jubilar da Misericórdia. Misericordiosos como o Pai - é o lema do Ano Santo. Diz o Pontífice: "O perdão é a assepsia da alma, a faxina da mente e a alforria do coração. Quem não perdoa não tem paz na alma nem comunhão com Deus. A mágoa é um veneno que intoxica e mata. Guardar mágoa no coração é um gesto autodestrutivo. É autofagia. Quem não perdoa adoece física, emocional e espiritualmente". A misericórdia é a lei fundamental que mora no coração de cada homem. Qualquer um deveria encontrar um oásis de misericórdia no cristão, reflexo do perdão infinito que brota da cruz redentora. A verdadeira penitência quaresmal é o abandono de nossos pecados, nossa volta para Deus, no perdão e comunhão com todos. Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. Pudéramos desvelar genuinamente esse rosto.