Quem tem contato com a realidade prisional do Rio Grande do Sul - onde o Presídio Central, o pior do Brasil, se destaca - experimenta dois sentimentos: em primeiro lugar, a vergonha de ser gaúcho. Em segundo, a revolta com a burrice e incompetência do Estado, pois o descaso de anos está se refletindo, agora, nas ruas.
Instalou-se um verdadeiro sentimento de faroeste, em uma terra sem lei. Os bandidos, em deboche à autoridade do xerife, já sem hora ou local, fazem acontecer. Viver ou morrer - por bala perdida ou achada pela bandidagem dominante - é mera questão de sorte ou azar.
Uma série de causas contribui para o atual quadro de violência: tráfico, educação deficiente, crise financeira, desigualdade social, impunidade e falta de policiamento são, sem dúvida, elementos inafastáveis. No entanto, é justamente no caos prisional que está um dos principais fatores responsáveis pela situação caótica atual e, pior, talvez a com solução mais fácil, com repercussão mais efetiva, rápida e menos onerosa.
O Estado está literalmente ajudando a organizar o crime, pois, incapaz de melhorar as prisões, entregou sua administração aos bandidos, que se organizam em facções. Quanto pior for a situação por lá - quanto mais degradante se revelar aquele ambiente -, maior será o poder das facções. Estas mantêm a ordem lá dentro, mas cobram pela comida e pela proteção dispensada, substituindo o Estado, arregimentando e comprometendo presos, que pagam, quando saem às ruas, o que devem cometendo outros ilícitos.
Experiências no mundo todo mostram que o combate ao crime é, antes de tudo, um serviço de inteligência. Não há dúvidas de que precisamos de mais policiais e que a lei precisa ser mais dura e efetiva. No entanto, é urgente que atentemos ao quadro de indignidade vigente nas nossas masmorras medievais, pois o caos dessa realidade está regurgitando violência e servindo literalmente para organizar o crime aqui fora.
Urge, por uma questão de direitos humanos e até mesmo de racionalidade, que retomemos o controle das prisões, dando um mínimo de dignidade para quem está no sistema, evitando que lideranças substituam o Estado. Soa óbvio, mas talvez seja muito à política que age e pensa apenas pela visão curta daquilo que dá voto - ainda que essa omissão esteja literalmente matando culpados e inocentes (ditos livres) nas ruas.