Com o propósito de contribuir para o debate sobre a retomada do desenvolvimento do Estado, ZH solicitou a lideranças empresariais, sindicais e políticas artigos analíticos e propositivos a partir da seguinte questão: O Rio Grande tem saída? Como? A série, iniciada em junho com opiniões de representantes de entidades empresariais, teve continuidade em julho com sindicalistas e lideranças classistas e em agosto com parlamentares. Em setembro, é a vez de governantes.
*Pedro Simon, governador do Estado de 1987 a 1990
O Rio Grande do Sul não está sozinho. As dificuldades econômicas e financeiras que desafiam o governo e o colocam diante de escolhas difíceis são compartilhadas pelos demais Estados, atingindo também os municípios em maior ou menor grau de intensidade. O Brasil e o mundo atravessam um período extremamente difícil. Em nosso caso, além do impacto negativo gerado pelos problemas nacionais e internacionais, temos uma particularidade. Historicamente, o Rio Grande do Sul se ressente de prejuízos provocados por políticas nacionais que se sobrepuseram aos legítimos interesses dos rio-grandenses.
No período do Império, a então Província de São Pedro era um Estado rico e poderoso. Porém, tinha seus recursos drenados para o pagamento das contas do tesouro do império, sem a contrapartida de investimentos. A situação de descontentamento, agravada pelo despotismo e aumento de impostos, está entre as causas da Revolução Farroupilha. "Transformou-se o Rio Grande numa estalagem do império", acusou o chefe revolucionário, coronel Bento Gonçalves, em manifesto à época.
Hoje, chegamos a uma situação limite com o Estado sufocado por uma dívida impagável com o governo federal. O Congresso aprovou um projeto que reduziu o indexador da dívida mas a União não cumpre a lei.
Cada governante enfrentou a situação de acordo com suas circunstâncias. No período de 1986 a 1990, durante meu governo, conseguimos reduzir a dívida da administração direta. O esforço não se deu sem sacrifícios. O governador José Ivo Sartori está também tomando medidas corajosas e inadiáveis, impopulares mas necessárias para arrumar a casa e recolocar o Estado em condições de crescer novamente, preservando e retomando indicadores sociais que sempre nos orgulharam.
Não desconhecemos nossas obrigações e responsabilidades perante os compromissos que temos. O que não podemos é continuar aceitando a manutenção de uma relação desigual e injusta com Brasília. O Rio Grande do Sul sempre deu ao poder central, através de impostos arrecadados aqui, mais do que recebeu. A União, na verdade, tem uma dívida com o Rio Grande. Dívida essa originada por investimentos realizados com recursos próprios em áreas de responsabilidade federal. Sobre esse passivo, apresentei no Senado um projeto de lei criando uma comissão especial para analisar e calcular as indenizações. São investimentos em estradas federais; na compra de terras para assentamentos de reforma agrária; na infraestrutura para instalação do 3º Polo Petroquímico e na construção da Aços Finos Piratini - empresas depois privatizadas pela União sem a compensação aos gaúchos. Devemos contabilizar ainda os recursos referentes ao não cumprimento da Lei Kandir por parte da União, norma que desonera impostos de produtos de exportação, causando um rombo contínuo em nossa balança comercial.
A proposta de criação da comissão especial foi entregue pessoalmente ao então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto. Além de Lula, estavam presentes na reunião convocada para analisar o projeto a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. O resultado do encontro se apresentou inicialmente como produtivo, com o presidente determinando à Casa Civil providências para equacionar o assunto. Infelizmente, até hoje a comissão não saiu do papel.
A crise econômica e financeira que atravessam os Estados nessa quadra de tempo é talvez das mais sérias que já vivenciamos. Mas, se toda a crise representa também uma oportunidade de fazer diferente e melhor, aproveitemos as atuais dificuldades para construirmos um novo e democrático reordenamento da relação entre os entes federados. É urgente o enfrentamento dessa questão. É vital para o país um novo pacto federativo que tenha como fundamentos a cooperação e a solidariedade, em lugar do atual gigantismo da União, distorção que limita a autonomia dos Estados e municípios e representa um obstáculo ao progresso.