Uma das parcerias mais interessantes da música brasileira é a de Roberto e Caetano. No tempo da Jovem Guarda, quando a juventude se dividia entre roqueiros e fãs de MPB (era quase um coxinhas x petralhas, mas envolvia gente com muito mais talento - e, talvez, ingenuidade), a turma dos emepebistas era extremamente sectária. Demorou algum tempo até que artistas do porte de Elis Regina e Gilberto Gil reconhecessem o valor do Rei (e de Erasmo Carlos) como compositor e intérprete. Um dos primeiros desse grupo a perceber a genialidade de Roberto Carlos foi justamente Caetano Veloso, o que causou rusgas entre o baiano e aqueles que se diziam "guardiões da verdadeira música brasileira".
Dessa parceria nasceram grandes gravações e homenagens como Como Dois e Dois, Força Estranha e Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos*. Décadas depois, a dupla ainda gravaria um DVD com canções de Tom Jobim - que, parafraseando uma pérola atribuída ao próprio Tom, "é uma m****, mas é bom; é bom, mas é uma m****".
São quase 50 anos de parceria e convívio entre duas pessoas com ideias de vida e posições ideológicas bem diferentes. Roberto é reservado em posições políticas, é conservador e muito religioso. Caetano é estridente, sempre teve opiniões progressistas e faz questão de se manifestar sobre temas importantes da política brasileira. Ainda assim, eles estão aí, eventualmente com um alfinetando o outro, como no caso das biografias não autorizadas, mas estão aí.
Tudo isso para concluir que a relação entre esses dois gênios da música é um exemplo de comportamento que pouco vemos em nosso país. É tudo o que não temos nas redes sociais. E pior, o que pouco se percebe nas relações pessoais - que é o que realmente interessa. Pode parecer brega e ingênuo (como Roberto muitas vezes é) ou repetitivo e pedante (como Caetano às vezes é), mas precisamos de mais cordialidade. Ao longo dos anos, parece que ser tolerante e conviver numa boa com o diferente deixou de ser princípio de vida e passou a ser talento de poucos. Então, que seja assim. Mais talento, menos raiva.
*Para comprovar a tese de que a parceria é demais, sugiro ouvir a gravação baixo de Muito Romântico, música que Caetano fez para Roberto cantar.