Um sujeito me chamou pra briga nesta semana no trânsito. Sentiu-se fechado pelo meu carro, passou na frente, parou, trancou a rua e começou a fazer sinal com a mão para que eu fosse enfrentá-lo. Foi na Azenha. A mão do homem era grande. Quem não enfrenta uma situação como essa quase toda semana?
Lembrei então de uma vez em que estava num táxi, na José Bonifácio, e outro taxista meio que se atravessou no caminho. O taxista que me levava não gostou e saiu atrás.
O perseguido freou de repente e o outro grudou na traseira. Foi no tempo em que os táxis eram Fuscas. O meu taxista desceu, abriu o capô, tirou um cassetete de madeira caseiro de mais de metro, com empunhadura, e gritou:
- Me espera!
E se foi. O outro havia descido do carro. Arregalou os olhos, recuou e fugiu. O meu taxista retornou ofegante, atirou o pedaço de pau no assoalho e disse, como quem imita um gaúcho:
- Hannn, hannn... eu sou de Quaraí.
Entendi aquilo como um carteiraço e falei sem pensar muito:
- E eu sou do Rosário, criado no Alegrete.
O homem me olhou pelo retrovisor e baixou a voz:
- Mas nunca briguei com passageiro.
E seguimos viagem. Pensei naquele homem de Quaraí porque o gaúcho não se livra do carma de valentão. Talvez lá em Quaraí o taxista nem fosse tão metido assim. Mas, na Capital, ele tinha que mostrar que era de Quaraí.
Meus tios fronteiriços, o Taurino, o Ani, o Aníbal, o Pedro, o Maroca, o Afonso Novo e o Afonso Velho, o Menoca, todos eram homens cordiais e serenos. Todos do campo. Rudes, mas suaves, educados. Não gritavam. Não garganteavam, não engrossavam a voz.
Meu tio Taurino, se estivesse vivo, se espantaria com tanta gente dedicada à arte de ser gaúcho. É possível até que se perguntasse: mas por que fazem tanta força?
Os sujeitos mais espalhafatosos que andam por aí nesta época são uma representação distorcida da imagem do gaúcho da Campanha. Acabam construindo caricaturas extravagantes do que possa ser o campeiro.
O homem que se atravancou no meu caminho pode ter sido contagiado por um desses espíritos galhofeiros da Semana Farroupilha. Ele ficou uns 20 segundos parado e arrancou. Eu dobrei a esquina e me fui. Era só o que me faltava brincar de gaúcho. E o homem talvez nem gaúcho fosse.