Por Ricardo Gandour, jornalista e membro do Conselho Editorial da RBS
Para entender o impacto da inteligência artificial (IA) no jornalismo, é preciso olhar os processos de trabalho. As redações são tocadas por meio de rotinas e métodos que podem ser sintetizados em verbos. Vamos a eles (vou propositalmente anotá-los com iniciais maiúsculas), percorrendo as três mais importantes formas de se expressar por meio de texto, áudio ou vídeo: a Informação, a Análise e a Opinião. Para Informar, o primeiro verbo é Apurar. E para isso, Coletar (dados, informações, declarações), Ouvir, Ver (cenas, multidões), Ler. Lembrar também é importante (consultar arquivos). Produzir e Gravar (imagens, gráficos, áudios). Quem lê este texto já percebeu que muitas dessas tarefas, substanciadas pelos verbos, podem ser executadas por IA, em maior ou menor grau. Uma expressão verbal fundamental: Olhar o contexto. E, finalmente, Escrever, Montar e Editar. O quanto de IA já se pode usar ao Coletar, por exemplo? Câmeras conseguirão descrever uma cena completa e seus personagens? Mas Olhar o Contexto e Editar me parecem tarefas primordialmente humanas.
A IA poderá automatizar muitos dos verbos do processo jornalístico – e isso já está acontecendo, aqui e ao redor do mundo
Para Analisar, acionamos o Comparar, em grande medida mecanizável. Daí segue-se Avaliar. Aqui também conta muito o Relembrar (a mesma consulta aos arquivos). E fecha com um outro, bem humano: Apontar.
E para Opinar? Esse gênero que tanto contamina (mas não deveria) os dois acima? Resgatar (coisas de Informação e Análise), Comparar, Avaliar e Apontar são essenciais. Mas a esses seguem-se Formular; em alguns casos, Julgar, no melhor dos sentidos; e, finalmente, Opinar.
Esse exercício nos leva a um ponto muito claro: a IA poderá automatizar muitos dos verbos do processo jornalístico – e isso já está acontecendo, aqui e ao redor do mundo. Mas os gestores editoriais não deveriam reservar alguns processos exclusivamente para a ação humana?
No jornalismo e em outras áreas, um aspecto emerge como evidente: o aumento da produtividade, e até da eficácia, trazido pela automatização de certas tarefas. Aquele levantamento inicial (“o trabalho do estagiário, do trainee”, ouço com frequência) se torna subitamente mais rápido e, por vezes, mais robusto.
Mas e o treinamento e a preparação dos jovens? Ao longo do tempo, não correremos o risco de emburrecer toda a cadeia profissional? E o necessário olhar novo, chegante, de uma nova geração, para aquilo que nós e os robôs já sabemos?
A IA não mata agora, mas pode trazer riscos a longo prazo.