Os estudantes de Engenharia de Materiais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Juliana Hoch, de 23 anos, e Eduardo Rodrigues, de 24, entendem de química, mas bem que poderiam dar alguns conselhos sobre empreendedorismo. A dupla desenvolveu um método para tornar mais barato o custo do líquido que faz a conservação dos órgãos para transplante. A partir disso, foi criada a Vital Produtos Químicos, empresa incubada no Parque Tecnológico que fica dentro da Unisinos.
“Eu e o Eduardo já tínhamos essa paixão pela pesquisa que nós tínhamos iniciado lá em 2008, 2009, quando nós iniciamos o curso técnico em química, mas no final de 2010 nós vimos uma reportagem do Fantástico que fala dos problemas do sistema de transplante de órgãos. Isso nos incomodou muito. Inclusive o descarte de órgãos, mais de 70% são descartados, então a gente quis fazer alguma coisa relacionada com isso para melhorar o sistema de transplantes”.
A dupla foi atrás de informações e descobriu que o líquido que faz a conservação dos órgãos entre a retirada do doador e a colocação do receptor era muito caro e além disso, importado.
“Que hoje é em torno de R$ 1,5 mil e não é produzido no Brasil, assim como o princípio ativo dele também não é. Então a gente pesquisou formas de reduzir esse custo”.
Juliana e Eduardo descobriram que o alto custo se devia à dificuldade de purificação do princípio ativo, o Ácido Lactobiônico. Eduardo conta que diante desse desafio, começou a pesquisa para desenvolver o método.
“A partir daí, dessa ideia de encontrar uma solução, a gente foi para o laboratório, fez vários testes, várias análises dentro daquilo que a gente achava que seria uma ideia interessante para reduzir o custo desse produto. E para nossa surpresa deu muito certo”.
Quando a dupla chegou à conclusão que o método funcionava para criar a principal substância para conservação dos órgãos, as oportunidades começaram a aparecer.
“Isso nos levou a participar de algumas feiras de ciências que a nossa escola organizava, que foi a Mostratec. E a partir daí gente começou a ganhar vários prêmios”.
Entre os prêmios recebidos pelos estudantes, estão as bolsas de estudo integrais usadas hoje para cursar Engenharia de Materiais na Unisinos. A dupla também pôde mostrar a sua pesquisa nas principais feiras internacionais de ciências, que ocorrem nos Estados Unidos, na China e na Alemanha. No ano passado, venceu o desafio do quadro Jovens Inventores do programa Caldeirão do Huck, da TV Globo, e recebeu R$ 30 mil de prêmio.
Os estudantes sabem que as pesquisas na área da saúde não são rápidas. Mas esperam conseguir colocar em prática a produção do líquido conservante o quanto antes.
“A gente tem trabalhado, tem corrido contra o tempo para conseguir fazer os testes, validar, tentar aumentar a escala. A gente está hoje num estágio pré-operacional. Então a gente ainda não está com o produto no mercado. Mas gente entende que nos próximos anos a gente poderá colocar esse produto no mercado”.
Juliana e Eduardo tocavam o projeto em paralelo aos seus empregos. Mas com a dimensão que tomou a pesquisa iniciada lá na Fundação Liberato, em Novo Hamburgo, já são empreendedores e atualmente buscam acelerar os testes para produção em larga escala. A patente do método já foi registrada. Juliana lembra que além do custo menor, o acesso será mais fácil.
“A vantagem que a gente quer trazer para o nosso produto não é só a redução do custo do produto final que a gente consegue través do método, mas também é a possibilidade de produção aqui no Brasil que hoje não é feita. Vai reduzir os impostos e aumentando a acessibilidade para os nossos clientes”.
Eduardo reforça o objetivo maior da iniciativa: salvar vidas.
“Hoje o Brasil tem um dos sistemas mais organizados, mas a gente sabe que ainda sim tem muito o que melhorar. Então o que a gente pegou foi um ponto que foi a questão da conservação d órgão, além disso têm outras oportunidades de melhoria, mas a gente acredita com a nossa pesquisa conseguimos diminuir a complexidade e aumentar o número de vidas salvas”.
De técnicos em química e futuros engenheiros de materiais, a dupla agora tenta se virar como donos da Vital Produtos Químicos, empresa criada para produzir a substância tão essencial para os transplantes.
" E quanto mais a gente vai conhecendo essas pessoas, mais a gente tem vontade de fazer a diferença na vida delas. E foi isso que nos motivou a transformar a pesquisa num negócio. A gente encontrou muitos desafios e ainda vem encontrando, mas a gente vem se capacitando junto ao SEBRAE, fazendo vários cursos e contando com a ajuda de muitas pessoas ao redor”.
Juliano Martini é cirurgião de transplantes da Santa Casa de Porto Alegre.
“A gente para fazer a captação de cirurgia de captação de órgãos, tanto abdominais quanto torácicos, a gente precisa usar o líquido que tenta manter a condição daquele órgão semelhante a que ele tinha quando estava no corpo, mesmo quando não está. Quando está sendo acondicionado, resfriado”.
O médico ressalta a importância da iniciativa dos estudantes em razão do custo mais baixo e da possibilidade de produção da substância no Brasil.
“São importados e a um custo muito alto. E dificilmente vai se conseguir comprar esse líquido por menos de R$ 750, R$ 800 o litro”.
O cirurgião explica a quantidade usada em cada cirurgia.
“Depende da quantidade de órgãos que são retirados, mas dificilmente vai se usar menos do que quatro, cinco litros e eventualmente pode chegar a mais de 10, 12 litros. Então fazendo a conta aí a gente vê que qualquer diminuição teríamos uma diminuição considerável”.
Coordenadora do curso de Engenharia de Materiais da Unisinos, a professora Tatiana Rocha ressalta que o papel da universidade é identificar projetos que façam realmente a diferença.
“Quando eles optaram por vir fazer Engenharia de Materiais, que é relativamente novo, mas é multidisciplinar, eu acho que foi primordial. E outra coisa é que a universidade fomenta bastante a questão do empreendedorismo. Aqui a gente tem trabalhado bastante e tentando fomentar que as ideias se transformem em negócios”.