Tudo começa com um telefonema, mas não se trata de uma ligação qualquer. Dependendo da conversa, uma vida pode ser salva. Assim é a rotina do Centro de Valorização da Vida (CVV), um serviço disponível em todo o país e que atende 24 horas por dia. O público que busca o CVV é formado por pessoas em situação de desespero, tristeza ou melancolia, muitas na iminência de cometer suicídio.
Porto Alegre possui o segundo CVV mais antigo do Brasil, fundado em 1970. Hoje, são 74 voluntários que se revezam em turnos de quatro a até oito horas, 24 horas por dia. O centro funciona sem o apoio de governos e sem ligações partidárias ou religiosas. A sala do escritório - localizado no bairro Menino Deus - é emprestado pelo Estado. Mas a manutenção diária e o pagamento de luz, água, condomínio e taxa de lixo são garantidos por "vaquinhas" realizadas pelo voluntários ou com brechós de roupas doadas.
Neste mês, a agenda de atividades foi intensa, devido ao Setembro Amarelo, que alerta a população sobre o alto índice de suicídios. Hoje, o Rio Grande do Sul é o Estado líder de ocorrências, com 10 casos a cada cem mil habitantes.
O perfil de pessoas que liga para o CVV é incerto. Por questões de sigilo de quem liga, o centro não faz levantamentos estatísticos. O objetivo do voluntário, aliás, é perguntar menos e ouvir mais.
"O que fazer com um possível suicida? Mostrar acolhimento, sem julgar. E não falar, mas espera ele falar. Se tu começar a julgar as atitudes, ele vai parar de falar. E não peça para ele não dar bola, dizer que isso não é nada. Valide o sentimento da outra pessoa", explica Liziane Eberle, vice-coordenadora do CVV no Rio Grande do Sul.
Segundo Liziane, além de deixar a pessoa falar, é muito importante que familiares e amigos a ajudem a procurar orientação médica. Estatísticas apontam que metade dos casos de suicídio está relacionada a casos de transtorno de humor, depressão, ansiedade e esquizofrenia. Mas mesmo sem estatísticas de perfil, a vice-coodernadora do CVV se diz surpresa com o aumento de ligações de um tipo diferente de público: as crianças.
"Elas nunca nos ligavam, agora elas têm ligado mais. Eu reparo que as crianças estão mais sozinhas, abandonadas pelos pais nas próprias casas. Os pais chegam do trabalho, sem tempo para as crianças. E elas ficam no quarto, e agora têm telefone", diz Liziane.
Além de pessoas com algum transtorno mental, os voluntários de Porto Alegre também identificam uma incidência de pessoas com mais inclinação ao suicídio entre usuários de drogas, policiais e militares (devido ao estresse e ao fácil acesso a armas), mulheres jovens e gays (devido aos casos de intolerância e machismo)
Telefone 188 agora é gratuito
Desde setembro do ano passado, o CVV conta com um telefone novo. É o 188, gratuito para todo o Rio Grande do Sul. O número de ligações, que girava em torno de 140 por mês, agora ultrapassa as mil. A mudança de telefone teve origem em uma tragédia no Rio Grande do Sul.
"Quando aconteceu aquela tragédia da Boate Kiss (2013), o Ministério da Saúde queria ajudar de alguma forma e resolveu doar um telefone gratauito. Eram muitos pais que queriam e precisavam falar da sua dor", explica a vice-coordenadora do CVV RS.
Além do apoio por telefone, o CVV também presta ajuda a quem perdeu amigos ou familiares. O Grupo de Apoio aos Sobreviventes do Suicídio Anônimo (GASS) se reúne na primeira quinta-feira de cada mês. Para o coordenador do CVV Porto Alegre, Samuele Presotto, pessoas próximas a suicidas costumam alimentar sentimento de culpa.
"Esses encontros são importantes para que o parente não se culpe. Está demonstrado que um caso de suicídio numa família ou de uma pessoa próxima afeta a todos e pode levar a um outro suicídio", afirma Samuele.
E para quem trabalha no CVV? Como é lidar com história de dor e sofrimento sem se deixar contagiar? Samule, por exemplo, diz que evita levar as história para casa. Mas a rotina no CVV já o ajuda a lidar melhor com amigos e familiares.
"Aprendi a ouvir mais, tanto na família quanto no trabalho. Dar o tempo para que a pessoa se expressar e terminar a própria ideia, o próprio pensamento. E não dar antes a minha opinião ou conselho", explica Samuele.
Quem quiser ajudar os voluntários do CVV, podem procurar mais informações na página no Facebook.
As contas bancárias para quem quiser colaborar na manutenção do escritório de Porto Alegre são:
CNPJ: 90.469.016/0001-30 (Assam - Associação de Auxílio Mútuo)
Banco do Brasil: Agência 3537-8 Conta: 3111-9
Banrisul: Agência 0100 Conta: 41367911-3