Um ano depois do incêndio que deixou 242 mortos em Santa Maria, o prédio onde funcionava boate Kiss aguarda autorização para limpeza e retirada de escombros. O local, localizado na Rua dos Andradas, virou ponto de visitação. Inúmeras pessoas passam diariamente pelo endereço que presenciou a maior tragédia do Estado.
A segurança é feita por soldados da Brigada Militar, que se revezam em quatro turnos de seis horas, e relatam que diariamente é necessário orientar o trânsito em frente ao prédio. Curiosos param, principalmente, para tirar fotografias.
Presença de 17 substâncias cancerígenas
Em 6 de agosto de 2013, o juiz da 1ª Vara Criminal de Santa Maria e responsável pelo caso, Ulysses Louzada, não atendeu ao pedido da defesa de um dos réus para que fosse feita nova vistoria no interior da boate. Além disso, foi negada na mesma oportunidade a solicitação de um segundo réu que previa uma simulação da noite da tragédia.
O embasamento para essas decisões ficou sob a constatação de que uma análise laboratorial realizada a partir de amostras de materiais retirados do interior do local constataram a presença de mais de 200 substâncias tóxicas, entre elas 17 cancerígenas.
Já no dia 3 de outubro, o juiz solicitou ao Ministério Público que fosse agilizada a limpeza do interior do prédio, manifestando preocupação com a possibilidade de que as substâncias presentes no interior do prédio pudessem contaminar prédios vizinhos.
No dia 18 de outubro foi feita a primeira entrada no interior do prédio com a intenção de verificar as possibilidades de limpeza do local. Uma equipe fez uma vistoria nas dependências e constatou que seria muito difícil fazer a higienização do espaço sem mexer no posicionamento dos escombros que ainda estão no interior da boate.
Neste momento, a empresa dona do terreno teve cinco dias de prazo para indicar quem faria a limpeza do espaço sem a remoção dos escombros. Um dia antes do final do prazo, no dia 22 de outubro, a Justiça prorrogou o prazo: seria necessária a relação dos objetos que poderiam ser removidos ou retirados do local, o que não havia ficado claro na determinação inicial, do dia 18.
Reconstituição virtual
Em 11 de novembro, ainda em meio ao impasse quanto ao melhor modo de higienizar o interior da casa noturna, o juiz Louzada cogitou requisitar uma reconstituição virtual da noite do incêndio. UFSM, UFRGS, FURG e PUCRS foram contatadas, mas nenhuma das instituições possuía a tecnologia necessária para o pedido de Louzada. A última negativa foi da PUCRS, no último dia 27 de dezembro. Ainda em novembro, a retirada total dos escombros de dentro da boate também passou a ser cogitada.
Assim, em 5 de dezembro a remoção dos escombros do interior da boate foi determinada pela Justiça e no dia 23 o Instituto Geral de Perícias (IGP) faria uma intervenção prévia no espaço para coletar materiais para perícia. As defesas dos réus também pediram a coleta de elementos específicos dos escombros, para que possam ser utilizados como provas no decorrer do processo.
Como juiz responsável pelo caso entrou em período de férias, o procedimento foi adiado para fevereiro. Ainda antes da execução dos trabalhos de remoção dos escombros, que serão divididos em duas etapas (inicialmente a remoção e logo após a limpeza e descontaminação) será necessária a aprovação por parte da Fundação de Proteção Ambiental (Fepam) dos projetos apresentados pelas empresas que realizarão as duas etapas do processo.
Desapropriação do prédio
A prefeitura de Santa Maria afirmou, por meio da assessoria do prefeito Cezar Schirmer, que qualquer procedimento referente a uma possível desapropriação da área da boate Kiss depende dos trabalhos de limpeza e descontaminação.
O executivo, segundo o assessor Luiz Otávio Prates, não tem nenhuma responsabilidade com o local neste primeiro momento. Já o advogado da empresa dona do prédio, Paulo Henrique da Silva, afirma que seu cliente aguarda o retorno do juiz para dar segmento ao processo de contratação das empresas para fazer a limpeza no interior da boate.
Entenda o caso
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013 e resultou na morte de 242 pessoas. O fogo começou durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira, quando o vocalista do grupo acendeu um artefato pirotécnico e as chamas atingiram a espuma do teto da casa noturna.
A perícia concluiu que o material não era adequado para o isolamento acústico e teria sido o responsável pela liberação de fumaça tóxica. As investigações também mostraram que o local estava superlotado na noite da tragédia, tendo apenas uma porta de entrada e saída, além de janelas obstruídas. Ainda foram constatadas irregularidades em relação aos alvarás da Kiss.
Dois integrantes da banda e dois sócios da boate foram presos no dia seguinte ao incêndio, recebendo liberdade provisória quatro meses depois. O inquérito policial, concluído em março, indiciou 16 pessoas criminalmente pela tragédia. Já o Ministério Público (MP) denunciou oito bombeiros por responsabilidades no caso. Segundo o MP, eles teriam fraudado a liberação de alvarás e dos Planos de Prevenção e Proteção contra Incêndios (PPCI).
O prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB), também foi apontado no inquérito por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Em julho, contudo, a Justiça determinou o arquivamento da denúncia contra ele, alegando falta de elementos para apontar responsabilidades do prefeito no caso.
Atualmente, três processos criminais sobre a Kiss tramitam na Justiça. Entre os réus estão os sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann; o produtor da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão, e o vocalista, Marcelo de Jesus dos Santos.
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