Eles nunca compraram uma única pedra, mas têm as vidas transformadas pelo crack. São bebês, crianças e adolescentes que sofrem com o vício das mães, o abandono, a negligência, os maus tratos. A droga tem sobrecarregado o sistema público de acolhimento no Rio Grande do Sul.
O crack tira a capacidade crítica, a razão, das mulheres. Em alguns casos, os bebês são abandonados ainda no hospital. O chefe do serviço de psiquiatria do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, Claudio Martins, conta que muitas viciadas não têm apego pelo bebê.
- A distorção é muito grande no vínculo com o bebê. O apego maior de uma usuária é a droga. Na maioria das vezes, a gestação não é programada, não sabem quem é o pai - aponta Martins.
A prostituta Mari, 39 anos, trabalha numa praça do Centro de Porto Alegre e tentou três vezes o aborto. Com sete meses de gestação, continua se prostituindo e tenta vencer o vício do crack. Ela está com muito medo em relação à saúde do bebê, uma menina, que se chamará Vitória. Mesmo se nascer doente, promete cuidar com todo o carinho, assim como fez com o filho de 26 anos e a filha de quatro anos.
- Eu tentei o aborto três vezes, duas com remédio e uma com sonda. Eu não queria a gravidez. Me droguei mais, usei mais crack para tentar abortar. Nos últimos dois meses, estou tentando sair, mas tive duas recaídas - fala emocionada.
Em outros casos, os filhos sofrem com os maus tratos e a falta de cuidado em casa ou na rua. Eles vão morar com familiares ou em abrigos. A psicóloga da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), Vanessa Mendes Baldini, relata que muitas crianças abrigadas viram as mães usando ou vendendo drogas.
- Muitas vezes a criança vai para o abrigo porque a mãe foi presa vendendo drogas. É comum ter casos de uso do crack na frente dos filhos. No caso dos adolescentes, procuramos trabalhar para evitar que eles sigam o mesmo caminho no futuro - explica a psicóloga.
Nas 67 unidades da FASC em Porto Alegre, estão acolhidos 750 crianças e adolescentes. No ano passado, em média, 33 foram abrigados por mês. O enfermeiro responsável pela rede própria da FASC, Jonatas de Freitas Silva, conta que 80% dos novos abrigados chegam por causa do uso de drogas pelas mães.
- Eles chegam principalmente pelo uso e pela negligência dos pais em função do vício - resume o enfermeiro.
Outros 577 crianças e adolescentes estão na rede da Fundação de Proteção Especial do Rio Grande do Sul, mantida pelo governo estadual em Porto Alegre e Uruguaiana. Um terço dos abrigados são filhos de usuários de drogas. O índice aumenta para 75% nos casos de crianças de até dois anos. A diretora do núcleo Menino Deus, Ana Paula Fritzen, aponta aumento na chegada de bebês.
- A rede tem se adaptado à nova realidade. Um bebê exige mais cuidados, como dar mamadeira, trocar fralda. Isto mobiliza mais, precisa de mais pessoal, mas a gente faz o atendimento da melhor forma - ressalta a diretora.
Em todo o Estado, dados do judiciário indicam que 4,5 mil crianças e adolescentes moram em abrigos.
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Leandro Staudt
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