Noventa e quatro por cento das mulheres no Haiti estão em risco de sofrer violência de gênero, e seus corpos se tornaram "armas de guerra" para as gangues armadas que devastam o país caribenho, alertou uma alta funcionária da ONU.
"94% das mulheres no Haiti estão expostas a algum tipo de violência de gênero, e de todos os relatos recebidos, quase 80% são de violência sexual", declarou à AFP Susana Sottoli, diretora do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) para a América Latina e o Caribe.
O Haiti enfrenta uma grave crise política e social devido à violência das gangues, que controlam mais de 80% da capital, Porto Príncipe.
"Não existe, neste momento, no Haiti, um lugar livre e seguro para as mulheres, especialmente para as adolescentes", acrescentou Sottoli em entrevista da sede regional do UNFPA no Panamá.
Esses grupos criminosos, que desafiam o governo e mergulharam o país em uma crise humanitária, são acusadas de assassinatos, estupros, saques e sequestros.
Para as mulheres, qualquer atividade "se tornou uma aventura com altíssimo risco de que sua vida, e especialmente seu corpo, saiam prejudicados", alertou Sottoli.
As gangues chegam a usar as mulheres como "moeda de troca" em seus negócios, e o estupro se torna um método de extorsão para controlar territórios ou obter fundos, segundo o UNFPA.
"Esta guerra está sendo travada em um teatro de batalha que é o corpo das mulheres. A violência de gênero, e sobretudo a violência sexual, é neste momento a arma, o instrumento de guerra mais usado por essas gangues armadas", afirmou Sottoli.
A maioria das mulheres estupradas sofre o trauma em silêncio. Algumas, inclusive, chegam a cometer suicídio, de acordo com a ONU.
Entre janeiro e março de 2024, os casos de violência sexual se multiplicaram por cinco. Atualmente, são registrados cerca de 1.500 casos por mês, mas o número real pode ser significativamente maior, em um país com um sistema de justiça precário e impunidade generalizada.
Para enfrentar a situação, o UNFPA solicitou ajuda internacional de 28 milhões de dólares (161,4 milhões de reais, na cotação atual), mas recebeu apenas 19% do total.
"Há, neste momento, uma competição feroz no mundo por recursos, porque as crises, guerras e situações humanitárias estão se acumulando, e existe uma certa fadiga com o Haiti", lamentou Sottoli.
* AFP