O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, nesta quarta-feira (23), à cúpula do Brics, que os integrantes do bloco foram fundamentais para o avanço da proposta de taxação dos super-ricos, um ideia adotada pelo governo brasileiro nas discussões globais como forma de reduzir a desigualdade.
O evento está sendo realizado em Kazan, na Rússia, mas Lula participou por videoconferência depois de ter cancelado a viagem por conta de um acidente doméstico.
Lula abriu seu discurso agradecendo o apoio dos integrantes do bloco à presidência brasileira no G20 neste ano. O petista usou o protagonismo temporário do país à frente do grupo das maiores economias globais para pautar o combate às desigualdades.
— Respaldo do Brics foi fundamental para avançar em iniciativas que são cruciais para redução das desigualdades, como taxação dos super-ricos — afirmou o presidente brasileiro.
Lula também disse que o Brics é um "ator incontornável" nas discussões sobre o enfrentamento às mudanças climáticas, mas voltou a marcar posição de que a maior responsabilidade é dos países mais desenvolvidos.
— Não há dúvidas de que a maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões culminou na crise climática que nos aflige hoje. É preciso ir além dos US$ 100 bilhões anuais prometidos e não cumpridos e fortalecer medidas de monitoramento dos compromissos assumidos — declarou o presidente brasileiro.
Apesar disso, Lula disse que cabe aos países emergentes "fazerem sua parte" para limitar o aumento da temperatura global.
Meios de pagamento alternativos
O presidente brasileiro declarou aos líderes dos países do Brics que está na hora do bloco criar meios de pagamento alternativos para transações entre si. Brics e outros setores da política global, principalmente liderados pela China, buscam formas de fazer comércio sem precisar recorrer à moeda norte-americana, o dólar, que domina os negócios globais desde o século passado.
— É chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativo para transações entre nossos países. Não se trata de substituir nossas moedas, mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que alvejamos se reflita no sistema financeiro internacional. Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada — disse o petista.
Lula também defendeu uma cooperação interbancária dos integrantes do bloco.
— Por meio do mecanismo de cooperação interbancária, nossos bancos nacionais de desenvolvimento vão estabelecer linhas de crédito em moedas locais, que reduzirão os custos de transação de pequenas e médias empresas. Representamos 36% do PIB global por paridade de poder de compra. Contamos com 72% das terras raras do planeta, 76% do manganês e 50% do grafite. Entretanto, os fluxos financeiros continuam seguindo para as nações ricas. É um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo desenvolvidos. As iniciativas e instituições dos Brics rompem com essa lógica — discursou.
Guerras
Durante discurso, Lula alertou que os conflitos no Oriente Médio e entre Rússia e Ucrânia têm potencial para se tornarem globais. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, que iniciou a invasão ao território ucraniano, assistia ao discurso do brasileiro.
— No momento em que enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar juntos em prol de objetivos comuns — disse Lula.
Ele ressaltou que é necessário evitar uma escalada e iniciar negociações de paz entre Rússia e Ucrânia. Lula mencionou fala do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que classificou a situação na faixa de Gaza como o maior "cemitério de mulheres e crianças" do mundo.
O presidente brasileiro chamou o quadro de "insensatez" e criticou o avanço do conflito para a Cisjordânia e para o Líbano. Israel tem o objetivo declarado de atacar o Hezbollah, grupo islâmico armado baseado no território libanês. A comunidade internacional teme uma possível entrada do Irã, aliado do Hezbollah, no conflito. Isso poderia evoluir para uma guerra entre dois países com forças militares poderosas.
Mundo multipolar
Lula pontuou que a presidência brasileira à frente do grupo reafirmará a proposição de um mundo multipolar. A cada ano que passa tem sido mais difundida a análise de que o bloco caminha para ser uma força de contraposição, com protagonismo da China, ao poder da aliança Estados Unidos-Europa na política global.
— Na presidência brasileira dos Brics, queremos reafirmar a vocação do bloco na luta por um mundo multipolar e por relações menos assimétricas entre os países — declarou o petista.
O líder brasileiro afirmou que o lema da presidência do Brasil à frente dos Brics, no ano que vem, será "fortalecer a cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável".
Lula disse que não se pode aceitar um "apartheid" no acesso a vacinas, medicamentos e no desenvolvimento da inteligência artificial. O presidente mencionou a disputa por insumos na pandemia para ilustrar sua declaração.