A Argentina criticou a ditadura de Nicolás Maduro, na Venezuela, por revogar a custódia do Brasil sobre a sua embaixada em Caracas e cobrou respeito ao direito internacional. Esse é o desdobramento mais recente da crise que se arrasta desde a eleição venezuelana, marcada por suspeitas de fraude e repressão aos opositores do governo chavista.
O Itamaraty afirma que só vai deixar de representar os interesses de Buenos Aires em Caracas quando o país substituto for designado. O Brasil assumiu a proteção sobre a embaixada, onde estão asilados seis opositores ao regime, há pouco mais de um mês, quando a missão diplomática Argentina foi expulsa da Venezuela por apoiar as denúncias de fraude expostas por Edmundo González e María Corina Machado.
A ditadura chavista cercou a embaixada e revogou a custódia do Brasil alegando suposto uso do prédio para o planejamento de atividades terroristas e "atos malignos" contra Nicolás Maduro. São argumentos que estão na cartilha do regime para justificar a opressão aos críticos.
No caso da Argentina, as relações começaram a se deteriorar com a eleição de Javier Milei, que Nicolás Maduro já chamou de "sociopata sádico" ao criticar a política econômica do libertário.
— Milei parece ser uma pessoa que gosta de fazer as pessoas sofrerem e gosta de ver os outros sofrerem — disparou.
Maduro acusa Milei de destruir a economia da Argentina, ignorando que a crise por lá se arrasta há décadas, e que a desordem do seu próprio governo espalhou quase oito milhões de imigrantes venezuelanos. Invertendo a "ameaça" comum entre os líderes de direita, ele questionou durante a campanha: "Vocês querem que a Venezuela se torne uma Argentina?"
Relação estremecida e troca de ameaças
Após o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, amplamente dominado por membro do governo chavista, proclamar a vitória de Nicolás Maduro sem divulgar os dados da votação, Milei não poupou palavras ao se direcionar ao mandatário venezuelano.
"Os resultados mostram uma vitória esmagadora da oposição e o mundo aguarda que Maduro reconheça a derrota depois de anos de socialismo, miséria, decadência e morte", publicou no X (antigo Twitter), ao afirmar que a Argentina uma fraude eleitoral e pedir a saída de Maduro da presidência.
Milei refere-se a oposição, liderada por Edmundo González e María Corina Machado, que publicou cópias de 80% das atas, que dão vitória a González. Por causa disso, o candidato da oposição passou a ser investigado, alvo de mandado de prisão e terminou deixando o país, asilado na Espanha.
Em retaliação, a Venezuela expulsou a missão diplomática argentina, como fez com outros países que denunciaram fraude nas eleições. O caso argentino é mais delicado por causa dos seis opositores que estão asilados na embaixada desde 20 de março.
Assessores próximos de María Corina, eles foram alvos de mandados de prisão pelo Ministério Público, alinhado ao chavismo, e recorreram à Argentina. Desde então, vivem no prédio da embaixada, de onde contribuíram para a campanha mais importante dos últimos anos na Venezuela.
Foi então que o Brasil entrou na história. Com a missão diplomática da Argentina expulsa, o país assumiu a proteção da embaixada e dos opositores que lá estão asilados. Pela Convenção sobre Asilo Diplomático, assinada em Caracas, eles deveriam ter recebido salvo-conduto após a expulsão dos diplomatas, o que não aconteceu.
Apesar de viver às turras com o presidente Lula, o argentino Javier Milei agradeceu ao Brasil por representar os interesses de Buenos Aires em Caracas. Antes de deixar a Venezuela, um diplomata argentino chegou a hastear a bandeira brasileira, que depois seria retirada.
Relação com o Brasil
Aliado histórico do chavismo, Lula tentou reabilitar Nicolás Maduro quando voltou ao Palácio do Planalto, entrando em atrito com os presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e do Chile, Gabriel Boric, mais críticos ao regime. O petista chegou a relativizar o conceito de democracia para defender a Venezuela e culpou as sanções pela crise, ecoando a desculpa do regime.
As críticas, no entanto, se tornaram inevitáveis à medida que o regime passou a desrespeitar os Acordos de Barbados, com a promessa de eleições livres e justas na Venezuela, apoiada pelo Brasil. Lula passou a cobrar Maduro que respeitasse o resultado das eleições e se disse assustado com a ameaça de "banho de sangue" feita pelo ditador, ainda que em tom mais brando que outros países da região.
Passada a eleição, o governo brasileiro não reconheceu os resultados, insistindo que o Conselho Nacional Eleitoral deveria divulgar as atas, em posição combinada com a Colômbia.
Nicolás Maduro não gostou de ser cobrado pelo antigo aliado e passou a trocar farpas públicas com Lula. Ele disse que os "gringos não têm moral" para interferir nos assuntos políticos venezuelanos e que ninguém se meteu no Brasil quando o ex-presidente Jair Bolsonaro contestou o resultado da última eleição, comparando a situação nos dois países de forma enganosa.
Apesar do tensionamento, Lula descarta romper relações com a Venezuela, como fez o seu antecessor, e mantém a posição contrária ao bloqueio econômico. Ele também não chama Nicolás Maduro de ditador, mas sinalizou que ele é "extremista" e que o seu comportamento "deixa a desejar".