Da Ucrânia a Gaza, o papa Francisco revisou neste domingo (31) os diversos conflitos que afetam o mundo e fez um apelo, durante sua mensagem de Páscoa no Vaticano, para que "não nos rendamos à lógica das armas".
— Não permitamos que as hostilidades em andamento continuem a afetar seriamente a população civil, já exausta, especialmente as crianças. Quanto sofrimento vemos nos seus olhos. Com o seu olhar nos perguntam: Por quê? Por que tanta morte? Por que tanta destruição? A guerra é sempre um absurdo e uma derrota. Não permitamos que ventos de guerra cada vez mais fortes soprem sobre a Europa e o Mediterrâneo. Não nos rendamos à lógica das armas e do rearmamento — pediu o pontífice durante a bênção "urbi et orbi".
Diante de quase 60 mil fiéis, o jesuíta argentino, de 87 anos, mencionou vários países, tanto no Oriente Médio (Líbano, Síria) como da África (Sudão, Moçambique e República Democrática do Congo), passando por Haiti e Mianmar. Também mencionou as "conversações" entre Armênia e Azerbaijão.
O papa reiterou o pedido de libertação dos reféns israelenses e de um cessar-fogo imediato em Gaza, no momento em que começa uma nova série de negociações para uma trégua entre Israel e Hamas.
Também pediu uma "troca geral de todos os prisioneiros entre a Rússia e a Ucrânia", que estão em guerra desde fevereiro de 2022, quando Moscou invadiu a ex-república soviética.
Francisco também fez um apelo às pessoas com "responsabilidade política a não pouparem esforços no combate ao flagelo do tráfico humano, trabalhando incansavelmente para desmantelar suas redes de exploração e trazer liberdade àqueles que são suas vítimas".
Saúde do Papa
Na sexta-feira, o pontífice cancelou na última hora sua participação na tradicional Via Crucis no Coliseu, o que provocou novas preocupações com seu estado de saúde. O Vaticano argumentou que a decisão foi tomada "para preservar sua saúde antes da Vigília Pascal" do sábado da Semana Santa e da "missa do Domingo de Páscoa".
De fato, Francisco celebrou no sábado, normalmente e sem sinais de cansaço, a cerimônia de duas horas e meia com a presença de 6 mil fiéis. Também pronunciou uma homilia de 10 minutos em italiano sem dificuldade aparente.
O cancelamento de última hora, quando a cadeira papal já estava posicionada no Coliseu, e o comunicado lacônico do Vaticano contribuíram para atiçar as preocupações sobre a saúde frágil de Jorge Bergoglio.
Nos últimos dias, Francisco cumpriu seus compromissos e presidiu a celebração da Paixão de Cristo durante quase duas horas, na tarde de sexta-feira, antes de cancelar sua presença na Via Crucis. Mas recentemente pareceu cansado e foi obrigado em diversas ocasiões a delegar a leitura de seus discursos devido a uma bronquite, pela qual foi submetido a exames em um hospital de Roma no final de fevereiro. Ele também suspendeu a leitura de sua homilia no Domingo de Ramos, sem dar explicações.
Apesar de se submeter a uma cirurgia abdominal importante em 2023, Francisco, que nunca tira férias, segue com um ritmo de trabalho intenso no Vaticano, onde pode receber dezenas de interlocutores em apenas uma manhã.
O pontífice, no entanto, não fez nenhuma viagem desde sua visita a Marselha, no sul da França, em setembro e teve que cancelar sua participação na cúpula do clima da ONU, a COP28, em dezembro, em Dubai, também devido a uma bronquite. A Indonésia, porém, anunciou neste domingo que o papa Francisco visitará o país em setembro.
Confira o discurso na íntegra
Queridos irmãos e irmãs, Feliz Páscoa!
Hoje ressoa em todo o mundo o anúncio que partiu de Jerusalém há dois mil anos: "Jesus de Nazaré, o crucificado, ressuscitou!" (cf. Mc 16, 6).
A Igreja revive o espanto das mulheres que foram ao sepulcro na madrugada do primeiro dia da semana. O túmulo de Jesus tinha sido fechado com uma grande pedra; e assim, ainda hoje, pedras pesadas, demasiadamente pesadas, fecham as esperanças da humanidade: a pedra da guerra, a pedra das crises humanitárias, a pedra das violações dos direitos humanos, a pedra do tráfico de pessoas e outras. Nós também, como as mulheres discípulas de Jesus, perguntamo-nos uns aos outros: "Quem irá remover estas pedras para nós?" (cf. Mc 16, 3).
E eis a sua descoberta na manhã de Páscoa: a pedra, aquela grande pedra, já havia sido removida. O espanto das mulheres é o nosso espanto: o túmulo de Jesus está aberto e vazio! É aqui que tudo começa. Através desse túmulo vazio passa o novo caminho, o caminho que nenhum de nós, mas somente Deus, poderia abrir: o caminho da vida em meio à morte, o caminho da paz em meio à guerra, o caminho da reconciliação em meio ao ódio, o caminho da fraternidade em meio à inimizade.
Irmãos e irmãs, Jesus Cristo ressuscitou, e somente Ele é capaz de remover as pedras que fecham o caminho para a vida. De fato, Ele mesmo, o Vivente, é o Caminho: o Caminho da vida, da paz, da reconciliação, da fraternidade. Ele nos abre a passagem, algo humanamente impossível, porque somente Ele tira o pecado do mundo e perdoa os nossos pecados. E sem o perdão de Deus, essa pedra não pode ser removida. Sem o perdão dos pecados, não se consegue sair dos fechamentos, dos preconceitos, das suspeitas mútuas e das presunções, que sempre levam a absolver a si mesmo e acusar os outros. Somente o Cristo Ressuscitado, ao dar-nos o perdão dos pecados, abre o caminho para um mundo renovado.
Somente ele nos abre as portas da vida, aquelas portas que fechamos continuamente com as guerras que se alastram pelo mundo. Hoje voltamos nosso olhar, em primeiro lugar, para a Cidade Santa de Jerusalém, testemunha do mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus, e para todas as comunidades cristãs da Terra Santa.
Meu pensamento se dirige, sobretudo, às vítimas dos muitos conflitos em andamento no mundo, a começar pelos que ocorrem em Israel, na Palestina e na Ucrânia. Que o Cristo Ressuscitado abra um caminho de paz para as populações atormentadas dessas regiões. Ao mesmo tempo que convido a que sejam respeitados os princípios do direito internacional, espero que haja uma troca geral de todos os prisioneiros entre a Rússia e a Ucrânia: todos por todos!
Além disso, faço novamente um apelo para que seja garantido o acesso da ajuda humanitária a Gaza e insisto, uma vez mais, na pronta libertação dos reféns sequestrados em 7 de outubro e em um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza.
Não permitamos que as hostilidades em andamento continuem a afetar seriamente a população civil, já exausta, especialmente as crianças. Quanto sofrimento vemos nos olhos das crianças! Aquelas crianças, nas terras onde há guerras, já se esqueceram como se sorri. Com o seu olhar nos perguntam: Por quê? Por que tanta morte? Por que tanta destruição? A guerra é sempre um absurdo, a guerra é sempre uma derrota! Não permitamos que ventos de guerra cada vez mais fortes soprem sobre a Europa e o Mediterrâneo. Não nos rendamos à lógica das armas e do rearmamento. A paz nunca é construída com armas, mas estendendo nossas mãos e abrindo nossos corações.
Irmãos e irmãs, não nos esqueçamos da Síria, que vem sofrendo as consequências de uma guerra longa e devastadora há treze anos. Tantos mortos, pessoas desaparecidas, tanta pobreza e destruição estão esperando por respostas de todos, inclusive da comunidade internacional.
Meu olhar hoje se dirige de modo especial ao Líbano, que há muito tempo vem sendo afetado por um bloqueio institucional e por uma profunda crise econômica e social, agora agravada pelas hostilidades na fronteira com Israel. Que o Senhor Ressuscitado conforte o amado povo libanês e sustente todo o país em sua vocação de ser uma terra de encontro, coexistência e pluralismo.
Dirijo um pensamento especial à região dos Bálcãs Ocidentais, onde estão sendo dados passos significativos para a integração no projeto europeu: que as diferenças étnicas, culturais e confessionais não sejam uma causa de divisão, mas se tornem uma fonte de enriquecimento para toda a Europa e para o mundo inteiro.
Da mesma forma, encorajo as conversações entre a Armênia e o Azerbaijão, para que, com o apoio da comunidade internacional, se possa continuar o diálogo, ajudar os deslocados, respeitar os locais de culto das diferentes denominações religiosas e chegar a um acordo de paz definitivo o mais rápido possível.
Que o Cristo Ressuscitado abra um caminho de esperança às pessoas que, em outras partes do mundo, sofrem com a violência, os conflitos, a insegurança alimentar e os efeitos das mudanças climáticas. Que o Senhor conceda conforto às vítimas de todas as formas de terrorismo. Oremos pelos que perderam suas vidas e imploremos arrependimento e conversão para os autores de tais crimes.
Que o Senhor Ressuscitado ajude o povo haitiano, para que a violência, que derrama sangue e dilacera o País, possa cessar o mais rápido possível e que se possa progredir no caminho da democracia e da fraternidade.
Que Ele dê conforto aos Roingas, afligidos por uma grave crise humanitária, e abra o caminho da reconciliação em Mianmar, dilacerado por anos de conflito interno, a fim de que toda lógica de violência seja definitivamente abandonada.
Que o Senhor abra caminhos de paz no continente africano, especialmente para as populações provadas no Sudão e em toda a região do Sahel, no Chifre da África, na região de Kivu, na República Democrática do Congo, e na província de Cabo Delgado, em Moçambique, e ponha fim à prolongada situação de seca que afeta vastas áreas e causa fome e carestia.
Que o Ressuscitado faça resplandecer a sua luz sobre os migrantes e aqueles que estão passando por dificuldades econômicas, oferecendo-lhes conforto e esperança em seus momentos de necessidade. Que Cristo guie todas as pessoas de boa vontade a se unirem em solidariedade, para enfrentarem juntas os muitos desafios que as famílias mais pobres enfrentam em sua busca por uma vida melhor e pela felicidade.
Neste dia em que celebramos a vida que nos foi dada na ressurreição do Filho, lembremo-nos do amor infinito de Deus por cada um de nós: um amor que supera todos os limites e todas as fraquezas. No entanto, quão frequentemente a preciosa dádiva da vida é desprezada! Quantas crianças não conseguem sequer ver a luz? Quantas morrem de fome, ou são privadas de cuidados essenciais, ou são vítimas de abuso e violência? Quantas vidas são mercantilizadas pelo crescente comércio de seres humanos?
Irmãos e irmãs, no dia em que Cristo nos libertou da escravidão da morte, exorto aqueles com responsabilidade política a não pouparem esforços no combate ao flagelo do tráfico humano, trabalhando incansavelmente para desmantelar suas redes de exploração e trazer liberdade àqueles que são suas vítimas. Que o Senhor console suas famílias, especialmente aquelas que aguardam ansiosamente notícias de seus entes queridos, assegurando-lhes conforto e esperança.
Que a luz da ressurreição ilumine nossas mentes e converta nossos corações, conscientizando-nos do valor de toda vida humana, que deve ser acolhida, protegida e amada.
Feliz Páscoa a todos!