Em junho de 2018, o brasileiro Mickey Barreto se hospedou no quarto 2565 do hotel
New Yorker. Barreto pagou, na ocasião, por uma única noite, US$ 200,57 (ou cerca de R$ 1.000). No entanto, ele não foi embora na manhã seguinte. Ele viveu no hotel pelos cinco anos seguintes e sem nunca pagar um centavo a mais. A história foi contada no domingo (24) pelo jornal New York Times (link restrito a assinantes do jornal norte-americano).
Nascido em Uruguaiana, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, o gaúcho viajou para os Estados Unidos na década de 1990 e passou a viver no país. Em 2018, Barreto se instalou no quarto com seu companheiro, Matthew Hannan. Segundo o brasileiro, Hannan mencionou, de forma breve, um fato peculiar sobre as regras de habitação a preços acessíveis que se aplicam aos hotéis da cidade de Nova York.
Ele afirmou ao New York Times que passou a pesquisar, junto com seu companheiro, se o New Yorker estava sujeito à regra, um artigo pouco conhecido da Lei de Estabilização de Aluguéis.
A lei
Aprovada em 1969, a legislação criou um sistema de regulamentação de aluguéis em toda a cidade. E incluiu uma série de quartos de hotel, especificamente os construídos antes daquele ano e alugados por menos de US$ 88 (ou cerca de R$ 440) por semana até maio de 1968.
De acordo com a lei, um hóspede poderia se tornar residente permanente se solicitasse um aluguel com desconto. E com os mesmos serviços oferecidos a um hóspede regular. O quarto torna-se assim, essencialmente, um apartamento subsidiado dentro de um hotel.
De acordo com os documentos judiciais, Barreto, na manhã seguinte, saiu do quarto do New Yorker e foi até a gerência entregar uma carta dizendo que queria alugar o 2565 por seis meses. O pedido foi negado e ele foi informado de que precisava desocupar o quarto até o meio-dia caso não fosse pagar por mais uma diária. Barreto, então, saiu dali direto para o Tribunal de Habitação da Cidade de Nova York onde processou o hotel.
Em uma declaração manuscrita, Barreto citou leis e um processo judicial anterior ao argumentar que seu pedido de aluguel o tornava automaticamente um “residente permanente do hotel”.
Em audiência no dia 10 de julho, na ausência de representantes do hotel para se opor à ação, o juiz Jack Stoller decidiu a favor de Barreto. Dias depois, uma palavra escrita na decisão chamou a atenção do casal: posse. Barreto recebera um “julgamento final de posse”.
A brecha
A propriedade tinha uma entidade cadastrada, o próprio hotel, identificado nos registros municipais como Bloco 758, lote 37. Assim, citando a ordem do juiz, Barreto preencheu tranquilamente a papelada declarando ser aquela sua propriedade.
Enquanto isso, os proprietários do hotel entraram com sua própria ação para despejar Barreto, alegando que o hotel estava isento das disposições hoteleiras da lei habitacional. Mas os advogados não conseguiram apresentar documentação de maio de 1968 para provar que a tarifa semanal do New Yorker era na época superior a US$ 88 por semana. O juiz então negou continuidade ao processo.
Barreto, por sua vez, protocolou a escritura pela sétima vez. E aí conseguiu o que queria.
Na tarde de 17 de maio de 2019, quase um ano depois de Barreto ter entrado no hotel pela primeira vez, ele foi identificado como "proprietário do New Yorker".
Barreto enviou e-mail para o advogado do hotel exigindo receber informações sobre as finanças da propriedade. E incluiu na mensagem uma alegação: eles lhe deviam US$ 15 milhões rm lucros não repartidos.
Pouco tempo depois, o advogado do hotel esteve no tribunal, explicando a situação e implorando a um juiz que emitisse uma ordem para impedir que Barreto se apresentasse como proprietário.
Bill Lienhard, advogado que representou muitas vítimas de roubo de títulos em Nova York, disse ter ficado surpreso com a aparente facilidade com que Barreto transferira um hotel de 41 andares em Manhattan para seu nome. Na sua defesa, ele disse que não fez nada de errado. Poucos meses depois, o juiz emitiu uma decisão: “A escritura em questão é forjada, em todos os sentidos”, escreveu.
Barreto havia vencido em dois processos judiciais separados; ele tinha direito a um aluguel estabilizado para um quarto no New Yorker Hotel. Ele tinha acesso ao serviço de quarto, ao serviço de limpeza e a todas as instalações do hotel. Mas ele se recusou a assinar um contrato de aluguel — ou a pagar o aluguel.
A primeira oferta de aluguel do hotel, segundo ele, excedia o aluguel legal para um quarto dentro da lei de alugueis estáveis. Ele também recusou outras ofertas ao longo dos anos, alegando que estava preocupado com as finanças da igreja.
A prisão
Finalmente, em 2023, o proprietário do hotel teve sucesso no tribunal contra ele. Um juiz decidiu a favor do hotel, citando a recusa de Barreto em pagar ou assinar um contrato de aluguel. Ele foi despejado em julho.
Barreto foi preso e autuado por 24 acusações — incluindo 14 acusações de fraude — no que os promotores disseram ser um esquema criminoso para reivindicar a propriedade do hotel. Hannan, que Barreto disse não estar envolvido no caso, apesar de ter morado com ele no hotel por quase cinco anos, não foi acusado de nenhum crime.
Barreto agora está aguardando julgamento na Suprema Corte do Estado em Manhattan e poderá pegar vários anos de prisão se for condenado. Na sua única ligação após ser detido, ele informou a Casa Branca onde estava e sua situação jurídica. Segundo o New York Times, a Casa Branca não demonstrou qualquer interesse.