A região de Nagorno-Karabakh perdeu quase toda sua população armênia, com a entrada de mais de 100.000 refugiados na vizinha república da Armênia após a ofensiva militar vitoriosa do Azerbaijão no território.
"Um total de 100.437 pessoas entraram" na Armênia desde a rendição, em 20 de setembro, dos separatistas armênios do território localizado no Azerbaijão, anunciou neste sábado (30) Nazeli Baghdassarian, porta-voz do primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinian.
"Eu peguei minhas joias, apenas isso. Mulheres, crianças e idosos, todos partiram no primeiro veículo que encontraram", disse Ofelia Hairapetian à AFP na cidade armênia de Vayk.
Levando em conta o dado oficial de que 120.000 armênios viviam neste território do Cáucaso, o número de pessoas que deixaram o local significa que mais de 80% abandonaram suas casas por medo das represálias das forças do Azerbaijão, apesar dos apelos de Baku para que continuassem em suas residências.
Após a ofensiva relâmpago, os separatistas de Nagorno-Karabakh anunciaram na quinta-feira a dissolução de sua república, proclamada há três décadas, em 1º de janeiro de 2024.
"Ainda restam algumas centenas de funcionários públicos, socorristas, voluntários e pessoas com necessidades especiais, que também estão se preparando para partir", escreveu na rede social X (antes Twitter) Artak Beglarian, ex-mediador para os direitos de Nagorno-Karabakh.
Ele acrescentou que as informações "não são oficiais".
Muitos armênios queimaram objetos pessoais antes de entrar na fila de refugiados.
- Azerbaijão anuncia morte de soldado -
Na passagem de fronteira de Kornidzor, um correspondente da AFP observou a chegada de ambulâncias e os agentes mobilizados informaram que aguardavam a entrada dos últimos ônibus com civis.
Na cidade armênia mais próxima, Goris, centenas de refugiados aguardavam na praça com suas malas por um local para dormir.
Garri Hariumian, em ex-soldado de 38 anos, contou que apagou de seu smartphone as fotos de colegas mortos na frente de batalha para evitar problemas com as tropas azerbaijanas durante a saída do país.
A tensão entre os vizinhos do Cáucaso aumentou neste sábado, depois que o Azerbaijão anunciou que um de seus soldados foi morto por um franco-atirador posicionado do lado armênio da fronteira.
A Armênia negou rapidamente a acusação.
A ofensiva relâmpago com a qual Baku recuperou o controle efetivo do território deixou quase 600 mortos. Os combates mataram cerca de 200 soldados de cada lado.
A ONU anunciou o envio no fim de semana de uma missão a Nagorno-Karabakh para avaliar as necessidades humanitárias, a primeira delegação da organização a visitar o território em mais de 30 anos.
Nagorno-Karabakh, de maioria armênia e cristã, proclamou a secessão do Azerbaijão, de maioria muçulmana, durante o colapso da União Soviética.
Desde então, os armênios do território, que receberam o apoio de Ierevan, enfrentaram o governo do Azerbaijão, com duas guerras em três décadas: a primeira entre 1988 e 1994 e a segunda no fim de 2020, quando os separatistas perderam boa parte do território.
- Protesto na Armênia -
Na fuga pela única rodovia que liga Nagorno-Karabakh à Armênia, ao menos 170 pessoas morreram em uma explosão na segunda-feira em um depósito de combustíveis. O acidente também deixou 349 feridos, a maioria com queimaduras graves.
O fluxo ininterrupto e caótico de refugiados provocou novas acusações de "limpeza étnica" por parte de Ierevan, que recorreu à Corte Internacional de Justiça (CIJ) e exigiu medidas urgentes para proteger os habitantes do enclave.
Baku rejeita estas acusações e afirma que os moradores do enclave puderam escolher entre ficar ou partir.
"Não podemos aceitar as acusações de limpeza étnica ou de genocídio", disse à AFP Hikmet Hajiyev, conselheiro do presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev.
Vários funcionários do governo de Nagorno-Karabakh foram detidos e acusados de "terrorismo", além de outros crimes, incluindo o secretário de Relações Exteriores, David Babayan, preso na sexta-feira.
Hajiyev assegurou que Baku tinha detido "cinco ou seis" pessoas, as quais acusou de "crimes de guerra".
Em uma Armênia, país de 2,8 milhões de habitantes, sobrecarregada pela chegada de refugiados, a indignação é cada vez maior.
Quase 3.000 críticos do primeiro-ministro armênio, acusado de passividade diante da vitória rápida das tropas do Azerbaijão, protestaram neste sábado na principal praça da capital do país.
"Perdemos Karabakh, agora não queremos perder a Armênia", disse Maria Asatryan, uma linguista de 38 anos, à AFP.
"Quanto mais tempo Pashinyan permanecer no poder, pior será a situação. As pessoas devem se unir e afirmar que Pashinyan deve renunciar", acrescentou.
A Armênia culpa a Rússia, país tradicionalmente aliado e que desde 2020 tinha soldados de uma força de manutenção da paz na região de Nagorno-Karabakh, mas que desta vez não atuaram para garantir o respeito ao cessar-fogo.
Negociações entre autoridades azerbaijanas e dirigentes do enclave sobre a transição estão previstas para a próxima segunda-feira em Stepanakert, segundo a AFP.
* AFP