Ekolu Brayden Hoapili e sua namorada escaparam dos incêndios no Havaí, mas não conseguiram apagar da memória as cenas de destruição refletidas no retrovisor de seu carro, nem mesmo a tristeza de ver sua cidade em chamas.
"Era tudo vermelho, apenas poeira e vento, tão intenso como o inferno", disse à AFP Hoapili, que fugiu de Lahaina, a pequena e incendiada comunidade turística na ilha de Maui.
Sentado no porta-malas do carro onde dormem desde que conseguiram fugir das chamas, que já deixaram mais de 50 mortos, o jovem narrou a fuga dramática da comunidade costeira, quando já estava rodeada por espessas paredes de fumaça.
"Olhei para o posto de gasolina próximo ao nosso lote e estava pegando fogo. Só vi fumaça, cinzas caindo do céu, tudo queimando. E eu disse 'temos que ir'. Achei que ia morrer", disse ele, se dividindo entre a alegria de ter sobrevivido graças à fuga rápida e o arrependimento de não ter ficado para ajudar as pessoas.
"Sentia-me impotente e indefeso (...) Fazendo uma retrospectiva, deixei tanto para trás, tanta gente. Mas não podia correr mais riscos, porque se o fizesse, não estaria aqui", lamentou.
Ao seu lado, sua namorada, Sharmaiynne Buduan, relembra as horas angustiantes que viveu sem ter notícias de seus familiares, até que os encontrou na quinta-feira (10) em um abrigo.
"Meu mundo caiu. A cidade é onde cresci. As memórias que tinha ali, cada passo que dei em Lahaina (...) são muitas lembranças e ver todas essas fotos e vídeos de minha cidade natal sendo destruída parte meu coração. É devastador", disse a jovem de 20 anos.
- "Perdemos tudo" -
"Perdemos tudo", exclamou Buduan, apontando para seus únicos pertences no porta-malas do carro: produtos de higiene, edredons e almofadas doados, além de um ukulele.
Lahaina, com cerca de 12 mil habitantes, era um dos destinos turísticos favoritos de milhões de turistas que visitam Maui todos os anos.
Suas lojas de souvenirs, restaurantes, bares e prédios históricos foram reduzidos a cinzas pelo fogo, assim como grande parte do pitoresco calçadão onde milhares de pessoas caminhavam, assistiam ao pôr do sol e tiravam selfies.
"É um sentimento estranho. Ainda não conseguimos acreditar. É muito, muito triste. Não ficou nada (...) [Lahaina] é uma cidade fantasma", comenta Saraí Cruz, que trabalhava em um dos restaurantes mais populares da Front Street e precisou fugir com seus pais, irmã e três filhos quase sem roupas.
Em outro carro do mesmo estacionamento, do lado de fora de um dos abrigos que as autoridades abriram para receber os milhares de desalojados pelas chamas, José Victoria e a sua família tentavam processar o que tinham vivido.
"Esta era a minha casa", disse ele, mostrando fotos de um prédio reduzido a cinzas.
"Só tinha visto uma cena dessas no cinema, mas ver na vida real foi uma loucura", disse o mexicano de 35 anos, que voltou à cidade um dia depois de fugir, pois sua mãe ainda está em uma poucas áreas de Lahaina que não foram consumidas pelo fogo, mas que ainda permanecem sem energia elétrica ou conexão telefônica.
Victoria trabalhava em um restaurante de frente para a marina. "Não acredito que estava trabalhando lá na segunda-feira", disse ele.
"Eu disse adeus aos meus colegas naquela tarde. 'Até amanhã!' Mas amanhã não veio", lamentou.
* AFP