Durante uma conversa com os titulares de Defesa de diversos países da Otan no último domingo (23), o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, "manifestou preocupação" com o possível uso de uma "bomba suja" pelas forças ucranianas no próprio território. Em contrapartida, países ocidentais emitiram uma declaração conjunta para rechaçar a versão, que classificam como "claramente falsa", de Moscou, enquanto Kiev desmentiu com veemência a acusação.
O termo "bomba suja", também chamada de "dispositivo de dispersão radiológica" (ou RDD, na sigla em inglês), designa qualquer artefato que, ao ser detonado, espalha um ou vários produtos química ou biologicamente tóxicos.
Este tipo de bomba não é considerada uma arma nuclear, pois sua explosão não é resultado da fissão (bomba atômica) ou fusão (bomba de hidrogênio) nucleares, que provocam imensas explosões um amplo raio. A fabricação de uma bomba atômica, por exemplo, requer tecnologias complexas de enriquecimento de urânio. Enquanto isso, uma bomba suja é muito menos complicada de fabricar, pois utiliza explosivos convencionais.
O principal objetivo desses equipamentos é contaminar uma área (e consequentemente a população local) tanto com radiações diretas quanto indiretas, através da ingestão ou inalação de materiais tóxicos.
Contudo, o principal perigo de uma bomba suja vem da explosão em si, e não da radiação. Apenas as pessoas que estão muito perto do local da deflagração se veriam expostas a níveis de radiação capazes de causar uma doença grave imediata. No entanto, a poeira e a fumaça radioativas podem se propagar e representar risco à saúde.
"Uma bomba suja não é uma 'arma de destruição em massa', mas uma 'arma de perturbação em massa', que busca contaminar e amedrontar", resume a Comissão Reguladora Nuclear dos Estados Unidos.
Os materiais necessários para a elaboração desse tipo de artefato costumam ser usados em hospitais, centros de pesquisa e estabelecimentos industriais, ou militares. Segundo comunicado emitido pelo general russo Igor Kirillov, as substâncias radioativas procedentes de instalações de armazenamento de combustível nuclear usadas na central nuclear de Chernobyl poderiam estar sendo usadas para fabricar uma suposta bomba suja.
Tática de dispersão?
Ao acusar a Ucrânia de querer detonar uma "bomba suja" em seu próprio território para que pareça um ataque inimigo, a Rússia volta a dar força à hipótese de uma escalada nuclear. O porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, indicou que Washington se preocupa que as alegações da Rússia sejam apenas uma dissimulação.
— Vimos um padrão neste conflito e no período anterior a esta guerra, sendo que os russos têm se dedicado a usar imagens espelhadas: acusaram os ucranianos, acusaram outros países do que eles estavam planejando. Essa é a nossa preocupação — disse Price.
Portanto, ucranianos e ocidentais ainda compartilham o receio de que a Rússia poderia estar se preparando para detonar ela mesma um artefato do tipo e acusar a Ucrânia, para em seguida justificar uma escalada militar com uso de armas nucleares táticas como represália.
Em março, após fracassar em sua tentativa de tomar Kiev, Moscou acusou a Ucrânia de preparar armas bacteriológicas em laboratórios secretos. O governo ucraniano, por outro lado, havia desmentido essas afirmações. Em todo o caso, a possibilidade de usar uma "bomba suja" para depois justificar um ataque nuclear tático é pouco crível, segundo alguns especialistas.
Por um lado, os serviços de inteligência ocidentais não têm indícios de que a Rússia decidira usar armas nucleares.
— Se os russos realizarem um ataque de "bandeira falsa" usando uma bomba suja, ficaríamos sabendo de imediato — declarou à AFP William Alberque, especialista em controle de armas do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres.
— É possível fabricar uma arma química do nada. O material nuclear, porém, tem uma "digital" bastante identificável — explicou.
— É apenas barulho para assustar, uma distração da qual Moscou tentará se aproveitar depois, alegando que dissuadiu Kiev de utilizar uma bomba suja — opinou Alberque.