Uma onda de grandes protestos nacionais tem parado o Equador há duas semanas. O preço elevado dos combustíveis é mais um fator que se soma ao alto custo de vida no país. A situação foi o estopim para que estudantes e trabalhadores, maioria pertencentes a etnias indígenas, tomassem as ruas e fizessem interrupções de estradas.
O Equador assumiu o dólar americano como moeda corrente no ano 2000, após a grande crise político-econômica enfrentada no final da década de 90, e que acarretou uma recessão profunda, com grande inflação e desvalorização do Sucre, a antiga moeda do país. Apesar da situação atual não chegar perto do que era há duas décadas, quando preço da cesta básica dobrava de preço a cada ano, a inflação, que era de -1% em 2021, atingiu 2,89% nos últimos 12 meses.
Na tentativa de baixar a tensão, o presidente Guillermo Lasso chegou a baixar os preços dos combustíveis. No entanto as violentas manifestações, que já deixaram cinco mortos, mais de 500 feridos entre agentes de segurança, do exército e civis e cerca de 150 detidos, não cessaram. A mais recente morte foi a de um militar, nesta terça-feira (28).
— Esta decisão é insuficiente, é insensível — expressou a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), depois que Lasso anunciou no domingo (26) à noite uma redução de US$ 10 centavos, que deixa o diesel em US$ 1,80 dólar e a gasolina em US$ 2,45. Os manifestantes exigem ao governo que reduza os preços a US$ 1,50 para o galão de diesel e US$ 2,10 para o de gasolina comum.
Com uma ampla capacidade de mobilização, a Conaie ganhou força em 1990 com um levante histórico que conseguiu que o governo concedesse 2,3 milhões de hectares de terras a comunidades da Amazônia e serra andina. Entre 1997 e 2005, o movimento participou de protestos que derrubaram três presidentes. Em 2019, liderou manifestações que deixaram 11 mortos e mais de mil feridos e obrigaram o então presidente Lenín Moreno a recuar no corte de subsídios aos combustíveis. Os indígenas representam mais de um milhão dos 17,7 milhões de habitantes do Equador, e atualmente, seu braço político Pachakutik é a segunda força no Legislativo, onde a oposição está dispersa, mas tem maioria.
Outros pontos além da crise dos combustíveis
Apesar de exportar petróleo, o Equador importa combustíveis que vende com subsídios que custaram US$ 2,8 bilhões ao governo entre 2014 e 2022, segundo o Ministério da Economia. Em pouco mais de um ano, o governo subiu o galão de diesel em 90% e a gasolina em 46%.
Desde outubro, os preços estão congelados por pressão dos nativos. Os protestos exigem que esses preços baixem. O movimento, liderado por Leonidas Iza desde 2021, também exige uma moratória para o pagamento de dívidas de agricultores, o controle de preços agrícolas, mais emprego, suspensão de concessões à mineração em territórios indígenas e novos investimentos em saúde, educação e segurança.
Para conter a crise, Lasso mandou aumentar de US$ 50 a US$ 55 um auxílio a 30% da população mais vulnerável, subsídios a pequenos e médios produtores e perdão a créditos vencidos de até US$ 3 mil concedidos pelo banco estatal para o fomento produtivo. Também declarou emergência no sistema de saúde pública para destinar recursos extras e duplicou o orçamento para a educação intercultural.
O ritmo do movimento tende a desacelerar
Ao contrário de outros protestos, os indígenas ainda não avançaram a Quito. Os protestos acarretaram perdas de pelo menos US$ 60 milhões nos primeiros cinco dias no setor produtivo nacional, afirmou à AFP a Câmara do Comércio de Quito. Também afetaram a produção de petróleo, principal produto de exportação, e o cultivo e exportação de flores. Para Ramírez, não há condições para que as manifestações durem mais tempo.
— O país está em crise econômica, começávamos a nos estabilizar após a pandemia. Não sei até que ponto as classes médias e populares devem apoiar os protestos se afetam os negócios — alertou.
Encurralado também pelo debate sobre seu impeachment que está em andamento no Congresso, o conservador cede aos poucos às reivindicações dos manifestantes. Marchas festivas, bloqueios de estradas, e confrontos violentos entre a força pública e os indígenas pressionam o impopular presidente Lasso, que tem apenas 17% de aprovação.
Mesa conciliadora
Nesta terça-feira (28), negociações entre o líder indigenista e o presidente Lasso não foram resolutivas. Após um ataque a militares que deixou um soldado morto e outros 12 feridos, Lasso encerrou as mediações com Iza.
— Não vamos nos sentar para conversar com Leonidas Iza novamente, que só defende seus interesses políticos e não os de suas bases (...) Não vamos negociar com quem mantém o Equador refém — declarou o presidente.
De madrugada, um grupo de militares e policiais que protegiam um comboio com combustíveis foi atacado por manifestantes com "lanças e armas de fogo" na Amazônia, segundo autoridades.