De acordo com a análise da imprensa americana, a participação de Joe Biden na Cúpula das Américas expôs um declínio da liderança dos Estados Unidos e o aumento da rejeição do governo. O evento, ocorrido na sexta-feira (10), tinha como objetivo a assinatura da Declaração de Los Angeles, pacto criado para enfrentar a crise migratória. Além disso, foram tratados temas como meio ambiente e democracia.
Segundo o FiveThirtyEight, a desaprovação do governo Biden chega a 53%, enquanto a aprovação é de 40%. Outros 7% dos que responderam a pesquisa não quiseram opinar. O site tem analisado o desempenho dos presidentes desde Harry Truman (1945-1953).
A situação política de Biden já faz com que democratas avaliem reservadamente que ele não deve concorrer à reeleição, segundo reportagem do jornal The New York Times. Em novembro, a Casa Branca terá um termômetro do tamanho do problema nas eleições legislativas.
Com maioria estreita no Senado, Biden viu seus projetos mais ambiciosos empacarem mesmo no início da presidência, quando a boa vontade dos parlamentares costuma ser maior. Se perder a maioria na Câmara e no Senado, o que historicamente costuma acontecer na disputa do meio de mandato, terá uma segunda metade de governo ainda mais engessada.
Crise migratória
A impossibilidade de avançar politicamente nos EUA na reforma imigratória, por exemplo, aumenta o ceticismo de países sobre a efetividade do acordo firmado sobre o tema em Los Angeles.
À margem da Cúpula, Brasil, EUA e mais 18 países assinaram um acordo para conter a crise migratória que tem levado o número de imigrantes ilegais a bater recordes. O acordo fala em ampliar as oportunidades de migração legal.
Para o governo norte-americano, o mais importante foi reconhecer entre os países uma responsabilidade compartilhada para lidar com o assunto.
Boicote latino-americano
Líderes dos principais países afetados pela imigração recorde na pandemia, no entanto, boicotaram a cúpula de Los Angeles. Além de México, país por onde passam as caravanas de imigrantes que tentam chegar aos EUA, os presidentes de El Salvador, Guatemala e Honduras não foram à reunião.
É do triângulo norte da América Central que sai o maior número de imigrantes para os EUA. Os países assinaram o acordo, mas através de representantes diplomáticos, e não de presidentes. A vice-presidente, Kamala Harris, se engajou na tentativa de convencer alguns dos líderes a comparecer, mas não obteve sucesso.
Biden foi alvo de críticas por parte de líderes presentes e ausentes. Do argentino Alberto Fernández, o americano ouviu que um anfitrião não tem o direito de barrar o convite a países da região.
— Definitivamente, gostaríamos de uma Cúpula das Américas diferente. O silêncio dos ausentes nos interpela — afirmou Fernández.
Nos corredores do evento, os demais participantes se queixavam de desorganização, da falta de prioridade na agenda regional e da falta de resultados concretos. No discurso de abertura, Biden tentou acomodar expectativas:
— Não é mais uma questão do que os EUA farão pelas Américas. A questão é o que fazemos quando trabalhamos juntos — afirmou o presidente norte-americano.
Para o cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Guilherme Casarões, o desejo dos Estados Unidos de usar a Cúpulas das Américas como oportunidade de afirmar os laços históricos com o hemisfério acabou gerando resultados pouco significativos.
— A reunião expõe as contradições da diplomacia do governo Biden. Sua luta contra os autoritarismos de esquerda no hemisfério levou os EUA a excluir Venezuela, Honduras e Cuba da lista de convidados — explicou Guilherme.
Presença brasileira
Segundo Casarões, o temor de esvaziamento da Cúpula acabou valorizando a presença de Jair Bolsonaro, cujos arroubos autoritários e desprezo pela agenda ambiental enfraquecem o discurso americano.
O presidente do Brasil saiu de Los Angeles afirmando estar "maravilhado" com o evento. Um elogio que, para o democrata, mais o atrapalha politicamente do que ajuda.
Entraves
Eleito com discurso de que remontaria alianças e restabeleceria a liderança americana no resto do mundo, Biden se viu em meio à questionada estratégia de saída de tropas do Afeganistão e no epicentro político da guerra na Ucrânia - que nem o governo norte-americano, nem os europeus conseguiram ajudar a evitar.
Na iminência da invasão do território ucraniano, a Casa Branca assistiu a líderes de dois relevantes países da América do Sul visitarem Vladimir Putin. As viagens do presidente argentino Alberto Fernández e do brasileiro Jair Bolsonaro a Moscou acenderam os sinais de alerta nos EUA, que não têm sido capazes de reduzir a presença da China na América Latina ou se contrapor à relação da Rússia com alguns países da região.
A coleção de dificuldades internacionais dá margem aos ataques da oposição, que vê Biden no seu pior momento de aprovação. O país vive inflação alta, com disparada nos preços de combustíveis e alimentos.