Por Pedro Jorge Simon
Ex-senador e ex-governador do Rio Grande do Sul.
Texto escrito com as colaborações de Guilherme Thudium e Pedro Fülber Simon
Há um ano, no dia 4 de agosto de 2020, uma explosão abalou o Líbano. Ocorrida em um depósito que armazenava 2,7 mil toneladas de nitrato de amônio no porto de Beirute, causou mais de 200 fatalidades e deixou cerca de 300 mil pessoas desabrigadas. O impacto foi sentido em quase todo o Oriente Médio e seus efeitos devastadores somaram-se a uma série de crises internas e externas enfrentadas pelos libaneses.
O evento recebeu ampla cobertura internacional: nunca se falou tanto sobre o Líbano. O governo brasileiro enviou uma missão humanitária com medicamentos, alimentos e equipamentos de saúde doados pelo governo e pela comunidade libanesa no Brasil, atitude nobre que fez jus às tradições diplomáticas altruístas do nosso país. Não demorou, contudo, para o Líbano retornar à posição marginal no cenário global – ainda que os problemas estivessem longe de uma resolução.
O Brasil é hoje o lar da maior diáspora libanesa do mundo. Meu pai, Jorge Simon, acompanhado de minha mãe Jalila e minha irmã Alice, migrou ao Brasil após a Primeira Guerra Mundial, na primavera de 1922, rumo a Caxias do Sul. Quase cem anos depois, a comunidade libanesa no Brasil já ultrapassa a população do próprio Líbano, que soma aproximadamente 7 milhões de habitantes.
De um lado, os libaneses são um povo milenarmente voltado ao comércio e ao contato com outros povos. De outro, os brasileiros são cordiais e receberam, sem preconceito, imigrantes de todo o mundo. Vale destacar a expressiva quantidade de libaneses-brasileiros que acabaram atuando na política nacional, como foi o meu caso.
A história que ficou para trás, no entanto, alterna prosperidade e tragédias, crises e conflitos, a começar pelo próprio processo de independência do Mandato Francês, vigente desde a partição do Império Otomano até 1943, e a correlação de forças envolvida. Não podemos deixar de mencionar que o Líbano é um dos países que mais caro têm pago pela falta de paz no Oriente Médio: de 1950 para cá, em especial pela guerra civil dos anos 1970, vem sofrendo muito.
Com a virada do milênio, um sentimento otimista proveio da relativa estabilidade experimentada quando comparados os eventos da segunda metade do século 20. Em novembro de 2002, na sessão comemorativa aos 59 anos da independência do Líbano no Senado Federal, cheguei a destacar o milagre fantástico que era a reconstrução daquele país, sonhando com um futuro no qual houvesse liberdade e prosperidade.
Todavia, a partir de 2005, uma série de manifestações que ficaram conhecidas como a “Revolução dos Cedros” tiveram início após o assassinato do ex-primeiro-ministro Rafik Hariri – com quem me reuni durante sua última passagem pelo Brasil, em 2003. Na ocasião, Hariri fez um relato do processo de reerguimento do Líbano após a guerra civil e convidou empresas brasileiras a investirem em seu país, ressaltando as oportunidades de negócios lá existentes.
Em abril de 2005, a retirada das tropas sírias que ocupavam o Líbano desde 1976 em função da guerra civil atenuou a convulsão social. Porém, uma série histórica de atentados terroristas teve início naquele período, especialmente na capital Beirute. A tragédia ocorrida no porto da capital um ano atrás, nesse sentido, logo tornou-se um símbolo da longa crise política, social e econômica que os libaneses vêm enfrentando tanto em tempos recentes como antigos.
Até meados da década de 1970, o Líbano era considerado “a Suíça do Oriente Médio”: um país pacífico, desenvolvido em muitos aspectos e que gozava de um regime democrático pleno. Hoje, quase metade da população não tem acesso a bens essenciais, como alimentação e combustível. Uma parcela do problema pode ser imputada à classe política libanesa, posto que nas últimas décadas foi administrado por governos marcados por esquemas de corrupção.
A série de crises também foi agravada tanto pela pandemia como pelo aumento expressivo no número de refugiados oriundos das guerras intermináveis do Oriente Médio. Um ano depois, a investigação sobre as causas da explosão ainda está em andamento. Mas parece claro que os problemas que afetam o Líbano vão muito além da tragédia ocorrida em 2020. Em um momento como esse, nunca antes foi tão importante a articulação de novas e capacitadas lideranças políticas ao país.