O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), reagiu nesta terça (2) ao golpe de Estado em Mianmar — antiga Birmânia, país localizado no sudeste asiático —frisando como a narrativa de supostas fraudes na eleição do país faz parte de um "discurso vazio e desprezível com o fim de sustentar um governo autocrático".
"Golpe algum, em circunstância alguma, é mal necessário. Golpe sempre é um mal. Emergências e crises devem ser resolvidas dentro da democracia", ressaltou o vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral em nota.
Segundo Fachin, o caso mostra como "a não aceitação do resultado eleitoral em eleição normal e legítima pode resultar em violência, mortes e ditadura". O ministro ressaltou ainda que o golpe na antiga Birmânia deve ser compreendido dentro de um contexto em que a "perversa desmoralização das eleições invade a espacialidade discursiva como parte de projetos que visam ao colapso das democracias".
"Nesse panorama, ataques à credibilidade dos pleitos avultam como estratégias coordenadas, destinadas a formar um caldo de cultura tendente a justificar, com a divulgação dos resultados, a recusa do julgamento coletivo. O colapso da democracia, nesse norte, é semeado na pré-temporada do discurso. Na sombra das palavras jaz a sub-repção. Cumpre vigiar", ressaltou Fachin.
O golpe de Estado que encerrou um período longo de poder dividido entre militares e o governo civil de Mianmar - então liderado pela vencedora do prêmio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi - ocorreu naquele que seria o primeiro dia do novo Parlamento após as eleições, realizadas em novembro. Na ocasião, o partido de Suu Kyi conquistou 396 dos 476 assentos nas câmaras baixa e alta combinadas do Parlamento. Os militares alegaram supostas irregularidades no processo, mas a comissão eleitoral rejeitou as alegações na semana passada, afirmando que não havia evidências para apoiá-las.
Na declaração feita nesta terça (2), Fachin ressaltou ainda que as "democráticas objetivam permitir que os conflitos sociais sejam processados de modo civilizado e pacífico". "Destinam-se, ademais, a permitir que a sociedade dite, livremente, os caminhos do seu desenvolvimento. Fora da institucionalidade eletiva a comunidade expõe-se à violência e retrocede ao papel de unidade cativa do abuso e do jugo. A política resulta traída, amputada em sua missão de amainar o alcance do sofrimento humano".
Não é a primeira vez em que o ministro do Supremo Tribunal Federal aborda questões como eleições e democracia à luz de eventos em outros países. Quando o Capitólio foi invadido por extremistas apoiadores do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no início de janeiro, Fachin chegou a afirmar que tal violência deveria colocar em alerta a democracia brasileira.
Na ocasião, ao destacar a realização das eleições presidenciais no Brasil em 2022, Fachin afirmou "quem desestabiliza a renovação do poder ou falsamente confronte a integridade das eleições deve ser responsabilizado em um processo público e transparente". "A democracia não tem lugar para os que dela abusam", disse, em nota divulgada pelo gabinete.
"Na escalada da diluição social e institucional dos dias correntes faz parte dessa estratégia minar a agenda jurídico-normativa que emerge da Constituição do Estado de Direito democrático. Intencionalmente desorienta-se pelo propósito da ruína como meta, do caos como método e do poder em si mesmo como único fim. O objetivo é produzir destroços econômicos, jurídicos e políticos por meio de arrasamento das bases da vida moral e material", afirmou o vice-presidente do TSE.
Confira a íntegra da nota de Fachin
Ao romper de fevereiro, um golpe é deflagrado na República da União de Myanmar. A derrota eleitoral é atribuída a desvios de procedimento. A suposta fraude engendra um discurso vazio e desprezível, com o fim de sustentar um governo autocrático.
Golpe algum, em circunstância alguma, é mal necessário. Golpe sempre é um mal. Emergências e crises devem ser resolvidas dentro da democracia. Violações de direitos humanos e afrontas às garantias fundamentais devem ser apuradas e decididas na legalidade democrática.
Depreende-se que não aceitação do resultado eleitoral em eleição normal e legítima pode resultar em violência, mortes e ditadura. Impende atentar para a militarização dos governos como fenômeno altamente preocupante. O poder militar, nas democracias, deve ser sempre subordinado ao poder civil.
As eleições democráticas objetivam permitir que os conflitos sociais sejam processados de modo civilizado e pacífico. Destinam-se, ademais, a permitir que a sociedade dite, livremente, os caminhos do seu desenvolvimento. Fora da institucionalidade eletiva a comunidade expõe-se à violência e retrocede ao papel de unidade cativa do abuso e do jugo. A política resulta traída, amputada em sua missão de amainar o alcance do sofrimento humano.
O golpe citado, impende advertir, é de ser compreendido dentro de um contexto. Ao redor do planeta a perversa desmoralização das eleições invade a espacialidade discursiva como parte de projetos que visam ao colapso das democracias. Nesse panorama, ataques à credibilidade dos pleitos avultam como estratégias coordenadas, destinadas a formar um caldo de cultura tendente a justificar, com a divulgação dos resultados, a recusa do julgamento coletivo.
O colapso da democracia, nesse norte, é semeado na pré-temporada do discurso. Na sombra das palavras jaz a sub-repção. Cumpre vigiar.