O Exército de Mianmar deu um golpe de Estado nesta segunda-feira (1º), depois de anos de poder compartilhado entre o governo civil de Aung San Suu Kyi e os militares, ainda muito poderosos no país.
Nas primeiras horas desta segunda, o Exército prendeu Suu Kyi, vencedora do Nobel da Paz de 1991, e o presidente Win Myint. Declarou o estado de exceção por um ano e colocou generais em cargos-chave.
Os militares estão há semanas denunciando fraude eleitoral nas eleições legislativas de novembro, vencidas por ampla maioria pela Liga Nacional para a Democracia (LND), o partido de Suu Kyi.
A seguir, o que se sabe até o momento:
Como a crise começou?
O Exército alega há semanas que houve irregularidades nas eleições gerais de novembro passado, a segunda desde o fim da ditadura militar em 2011. Foram vencidas de forma esmagadora pela Liga Nacional para a Democracia, que já estava no poder.
A LND obteve 83% das 476 cadeiras no Parlamento, mas o Exército afirma ter descoberto 10 milhões de casos de fraude eleitoral e pediu à comissão para publicar as listas eleitorais para verificá-las, o que não foi feito.
Na terça-feira passada, em coletiva de imprensa, o porta-voz do Exército não descartou que os militares tomariam o controle do país. Os temores aumentaram ainda mais na quarta, depois que o chefe do Exército, o general Min Aung Hlaing, sem dúvida o homem mais poderoso de Mianmar, disse que a Constituição poderia ser "revogada" sob certas circunstâncias.
E agora?
O Exército declarou o estado de exceção por um ano e prometeu a realização de eleições "pluralistas, livres e igualitárias" quando acabar este período. Enquanto isso, generais ocuparam os principais cargos.
Myint Swe, que liderava o poderoso comando militar de Yangun e atual vice-presidente de Mianmar, se tornou presidente interino por um ano, um cargo principalmente honorário.
O controle "legislativo, administrativo e judicial" está nas mãos de Min Aung Hlaing, que agora concentra quase todos os poderes.
Este golpe, condenado pela comunidade internacional, não é o primeiro: desde sua independência em 1948, Mianmar foi governada por regimes militares durante quase 50 anos. Já houve dois golpes de Estado, em 1962 e 1988.
Como a população vai reagir?
Aung San Suu Kyi, muito criticada em nível internacional pela sua gestão da crise dos muçulmanos rohingyas (centenas de milhares deles fugiram da violência do Exército em 2017 e se refugiaram no vizinho Bangladesh), ainda é venerada por uma maioria dos birmaneses.
Pressentindo o golpe militar, ela deixou uma mensagem para a população, pedindo que "não aceite" a tomada do poder por parte dos militares.
O que diz a Constituição?
A Constituição atual foi elaborada em 2008 pela junta, antes de ceder progressivamente o poder aos civis três anos depois. Concede ao Exército o controle de três ministérios importantes: Interior, Defesa e Assuntos Fronteiriços, o que garante que a instituição continue influenciando na política.
É, portanto, um texto polêmico. O cientista político Khin Zaw Win a descreve como "profundamente impopular".
O governo de Aung San Suu Kyi tentou alterá-lo desde que ganhou as eleições de 2015, mas não obteve muito sucesso. Por conta disso, os observadores acompanham de perto os recentes comentários de Min Aung Hlaing sobre sua revogação.
O texto também contém um artigo que proíbe os cidadãos casados com estrangeiros de se tornarem presidentes, o que, segundo os analistas, foi implementado para impedir que Aung San Suu Kyi, casada com um britânico, ocupasse o cargo.
A "Dama de Yangun" assumiu o papel de "conselheira de Estado", um cargo a partir do qual ela dirigia de fato o governo.
O Exército fez todo o possível para impedir a chegada da Nobel ao poder, mas não previu esta "falha", segundo o cientista político Soe Myint Aung. Os militares estão muito indignados por "terem perdido um controle significativo sobre o processo político", declarou à AFP.