Frágil em sua cadeira de rodas, Zhang Zhan respondeu com o silêncio a seus acusadores, sozinha, ou praticamente isolada, na Justiça chinesa. Esta é sua maneira de defender a cobertura que fez da quarentena de Wuhan, contra um regime que impõe a própria interpretação da epidemia.
A "jornalista cidadã" Zhang Zhan se tornou, na segunda-feira (28), a primeira pessoa condenada por Pequim por ter divulgado informações de maneira independente sobre a cidade que foi o epicentro do coronavírus. Ela foi condenada a quatro anos de prisão.
Seus vídeos, divulgados nas redes sociais, revelaram o caos nos hospitais da cidade de 11 milhões de habitantes, isolada do mundo a partir de 23 de janeiro de 2020 e durante 76 dias.
Sem testes, sem leitos, cidadãos deixados à própria sorte: suas reportagens estavam longe da propaganda exibida pela imprensa estatal, que sempre elogia as medidas radicais adotadas pelo regime.
Hoje, a China praticamente erradicou a epidemia, que se propagou de seu território para o restante do mundo.
Em maio, essa ex-advogada registrada na Ordem dos Advogados de Xangai foi detida e depois processada por "provocar distúrbios", acusação que motivou a condenação à prisão.
A mulher de 37 anos está em greve de fome desde junho, mas é alimentada à força por uma sonda, de acordo com seus advogados.
Sem temer o coronavírus, ela viajou em fevereiro para Wuhan, cidade que estava isolada do mundo na ocasião.
"Zhan quis ajudar os habitantes de Wuhan", afirmou um de seus advogados, Zhang Keke, que foi pressionado pelas autoridades para abandonar a cliente.
- "Vontade de Deus" -
"Eu disse que não viajasse a Wuhan", conta o colega advogado, Li Dawei. "Mas ela é uma cristã fervorosa e respondeu que era a vontade de Deus que fosse até a cidade para que o mundo inteiro soubesse a verdade", acrescenta.
Além de Zhang, outros jornalistas cidadãos foram detidos por suas coberturas sobre os eventos em Wuhan. Dois deles, Chen Qiushi e Li Zehua, teriam retornado para casa, mas não há notícias sobre o outro, Fang Bin.
Durante o julgamento, Zhang Zhan praticamente não falou, em um ato de protesto, segundo os advogados, contra o processo, que considera um ataque à liberdade de expressão.
Ela se negou inclusive a responder quando o juiz pediu que confirmasse sua identidade, informou Zhang Keke.
"Quando perguntei por quê, ela respondeu: 'Me acusam de ter divulgado mentiras. Se respondo, também será uma mentira, não?'", disse o advogado à AFP.
Diplomatas e jornalistas estrangeiros não foram autorizados a acompanhar o julgamento, que durou menos de três horas em um tribunal de Xangai. A União Europeia pediu nesta terça-feira a libertação "imediata da jornalista cidadã".
Zhang deve apresentar uma apelação, caso tenha permissão.
A greve de fome a deixou enfraquecida. Ela teve as mãos e pés amarrados durante muito tempo para impedir que retirasse a sonda nasal, segundo os advogados.
"Seu silêncio e determinação chegarão possivelmente até o fim", prevê Keke.
Seus vídeos de Wuhan publicados no Twitter, YouTube e em outras plataformas proibidas por Pequim foram assistidos apenas por alguns milhares de pessoas, que contam com programas VPN, o que permite evitar a censura do regime chinês.
A condenação, no período das festas de fim de ano, quando a atenção internacional é reduzida, não foi divulgada pelo tribunal e a imprensa chinesa não informou sobre o processo. A notícia foi revelada nas redes sociais, antes de ser censurada.
Além da situação sanitária, Zhan também criticou o caráter autoritário do regime.
"O principal método de gestão da cidade é a ameaça e a intimidação", disse em um vídeo. "É a tragédia da China e de Wuhan", completou.
O secretário de Estado americano Mike Pompeo pediu nesta terça-feira à China a liberatação da jornalista e acusou Pequim de querer ocultar a pandemia de covid-19.
"Pedimos...para libertá-la imediata e incondicionalmente", disse Pompeo sobre Zhang Zhan.
"O Partido Comunista Chinês mostrou novamente que fará tudo o que for preciso para silenciar quem questionar a linha oficial do partido, inclusive sobre informações cruciais de saúde pública", acrescentou em um comunicado.
* AFP