O Reino Unido cortou definitivamente nesta quinta-feira seus laços com a União Europeia (UE), encerrando 48 anos de uma relação agitada, para se tornar um "país livre", com um futuro solitário repleto de desafios.
— Quando o sol sair amanhã, em 2021, o Reino Unido será livre para fazer as coisas de forma diferente e, se for necessário, melhor do que nossos amigos da UE — declarou o premier Boris Johnson, em sua mensagem de fim de ano.
Às 23h locais, o país abandonou definitivamente a união alfandegária da UE. Devido à pandemia, não houve celebrações. Apenas o Big Ben, situado na torre do Parlamento britânico e em restauração desde 2017, quebrou seu silêncio excepcionalmente e suas badaladas anunciaram o momento histórico.
— O Reino Unido acaba de se tornar novamente um país totalmente independente — disse o negociador-chefe britânico, David Frost, depois que o colega europeu, Michel Barnier, afirmou à rádio RTL:
— Ninguém foi capaz de me mostrar o valor agregado do Brexit.
Com esta saída histórica, Boris Johnson vive uma importante vitória pessoal, após assumir as rédeas do Brexit, em julho de 2019. Seu Executivo ainda evitou um choque de última hora, chegando a um acordo com o governo espanhol nesta quinta-feira para manter a fronteira com Gibraltar aberta.
Esperança e preocupação
Após anos de caos e confronto político, o Reino Unido deixou oficialmente a UE em 31 de janeiro, colocando em prática o que os britânicos decidiram por 52% dos votos em um polêmico referendo de 2016. No entanto, durante 11 meses, o país viveu o chamado "período de transição", durante o qual continuou a aplicar as regras europeias enquanto negociava a sua futura relação com os seus 27 antigos parceiros.
Impedida pela pandemia do coronavírus e pela resolução de Londres de "recuperar sua total soberania" e pela UE de "proteger o mercado único", a negociação parecia condenada em várias ocasiões. Porém, em 24 de dezembro, acabou dando frutos: a façanha de chegar ao acordo de livre comércio mais completo e abrangente possível no prazo recorde de dez meses, em vez dos vários anos que esses acordos costumam exigir.
Com ele, a UE oferece ao seu ex-parceiro acesso sem precedentes sem tarifas e sem cotas ao seu enorme mercado de 450 milhões de consumidores em troca do compromisso do Reino Unido de respeitar uma série de regras que irão evoluir ao longo do tempo sobre o meio ambiente, trabalho e direitos fiscais para evitar qualquer concorrência desleal.
Isso evitará que o caos se instale nas fronteiras britânicas às 11:00 GMT (20h, Brasília), meia-noite na Europa continental, seus portos sejam bloqueados pelo acúmulo de cargas sujeitas a procedimentos aduaneiros deixando o Reino em escassez de produtos em meio a um terceiro pelo alta dos casos de coronavírus.
No entanto, apesar do acordo, a burocracia irá aumentar. No lado francês do Eurotúnel, que une o continente à Grã-Bretanha sob o Canal da Mancha, novos trâmites entraram em vigor às 23h. Juntamente com os controles de segurança habituais, os agentes começaram a escanear as placas dos caminhões, para garantir o cumprimento dos novos requisitos alfandegários.
Olhar para o futuro
Os desafios são consideráveis para o governo Johnson, que prometeu dar ao Reino Unido um novo lugar no mundo. No entanto, ele está prestes a perder um aliado poderoso com a saída de Donald Trump, um apoiador do Brexit que será substituído na Casa Branca pelo democrata mais pró-europeu Joe Biden.
Em nível nacional, o Executivo conservador deve se esforçar para reunificar os britânicos, divididos por um Brexit que contrariou a Escócia e a Irlanda do Norte. "A Escócia voltará em breve, Europa. Deixem as luzes acesas", tuitou a premier nacionalista escocesa, Nicola Sturgeon, cujo partido, o SNP, exige um novo referendo sobre autodeterminação, depois do vencido em 2014, com a esperança de poder reintegrar a UE como um Estado independente.
Desde a sua entrada na Comunidade Econômica Europeia, em 1973, a relação britânica com o bloco tem sido marcada por conflitos. Mais interessado na integração econômica do que política, Londres se recusou em 1985 a participar dos acordos de Schengen e em 1993 da moeda única europeia, além de pedir redução na contribuição do orçamento comum.
Agora, a UE perde definitivamente este importante membro, de 66 milhões de habitantes e uma economia de 2,85 trilhões de dólares, e ganha o medo de que outros nacionalismos populistas sigam o exemplo. Porém, livre dos freios britânicos, poderá continuar trabalhando em seu projeto de maior integração política.
— Foi um longo caminho. É hora de deixar o Brexit para trás. Nosso futuro se constrói na Europa — disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.