A última vez que o Texas, nos Estados Unidos, votou em um presidente democrata foi em 1976, quando Jimmy Carter ganhou de Gerald Ford. Desde então, o Estado é símbolo do conservadorismo americano.
Sem apoiar armas, petróleo e bíblia, disse Donald Trump, é impossível ganhar ali. Mas Trump e Joe Biden chegam à reta final da eleição de 2020 praticamente empatados nas pesquisas locais, com 51% da média de intenções de voto ao republicano e 48% ao democrata, na disputa mais competitiva de uma geração.
Há anos os democratas aguardam que a mudança na demografia da região favoreça o partido. Na eleição de 2016, Trump teve nove pontos de vantagem sobre Hillary, bem menos do que as diferenças de cerca de 20 pontos que republicanos antes dele tiveram no Estado.
Acessar o prêmio de 38 delegados no Colégio Eleitoral, o segundo maior do país, poderia tornar os democratas politicamente imbatíveis, e é isso que eles esperam, ainda que não necessariamente em 2020.
A 35 minutos de carro de Dallas, o condado de Tarrant é o termômetro político do enfrentamento entre a expansão de um subúrbio mais diverso na região de Fort Worth e a manutenção do conservadorismo em cidades como Colleyville, onde as placas nos jardins são ostensivamente a favor de Trump.
Diferentemente do operariado do meio-oeste que se identifica com a base do discurso de Trump de um "outsider" nacionalista, no Texas o voto é pelo Partido Republicano.
— Eu não amo a personalidade dele, é agressivo, mas escolho a manutenção de valores republicanos e a proteção à liberdade religiosa e econômica — diz Melanie Schooler, de 68 anos.
Quando as primárias do Partido Republicano foram feitas em março de 2016, a maioria dos texanos preferia o conterrâneo Ted Cruz, considerado a imagem tradicional do partido e um herdeiro do legado de Ronald Reagan, a Trump, que recebeu 26% dos votos.
A população do Texas cresce anualmente mais do que a dos outros Estados, e o aumento é puxado pelas regiões metropolitanas. Entre 2010 e 2018, o Estado ganhou 3,5 milhões de moradores e, de acordo com o censo americano, seis dos 10 condados americanos com maior aumento populacional na última década estão no Texas.
Eles abrigam ou ficam ao redor de Dallas, Houston, Austin e San Antonio, bolhas azuis de cidades democratas em meio a um Estado todo vermelho. Diferentemente de outros Estados do sul do país que garantem a vitória republicana, o Texas é menos rural. Quase dois terços da população estão em torno de regiões urbanizadas, uma porta para os democratas.
Mas a sustentação dos republicanos está logo ao lado dos grandes centros. Colleyville fica a apenas 18 minutos de Fort Worth. Trump teve mais de 70% dos votos na cidade em 2016, apesar de ter recebido 52% dos votos no conjunto do condado de Tarrant, em linha com o resultado estadual.
Em abril, quando o prefeito local autorizou a reabertura de restaurantes, igrejas, salões de beleza e academias de ginástica enquanto boa parte do país mantinha negócios de portas fechadas em razão do coronavírus, Colleyville foi definida como a "meca dos conservadores que levou à reabertura do Texas". A cidade virou exemplo positivo, e três dias depois o governador republicano do Texas seguiu o modelo e autorizou a primeira fase de reabertura em todo o Estado.
O Texas é visto pelos democratas como uma cereja no bolo. Se virar azul ou ao menos roxo em 2020, será uma vitória importante, mas a campanha de Biden não precisa dela para ganhar no colégio eleitoral.
O tamanho do Estado — que tem o dobro da área da Alemanha e quase três vezes o Estado de São Paulo — encarece a campanha, o que faz com que os democratas prefiram gastar tempo e dinheiro em lugares menores com mesmo grau de competitividade. Biden não viajou ao Texas, apesar da cobrança de democratas. Coube à esposa do ex-vice-presidente, Jill Biden, e ao marido de Kamala Harris, Doug Emhoff, fazerem eventos de campanha no Estado.
A preferência de parte dos subúrbios por republicanos como Mitt Romney, Ted Cruz ou George Bush não aliena boa parte da base conservadora no Estado. O democrata Beto O'Rourke chegou perto de conquistar uma cadeira no Senado pelo Texas em 2018, mas o Estado ainda está 11 pontos mais à direita do que a média nacional.
Não seria sem precedentes, mas analistas acreditam que é difícil uma mudança tão grande a ponto de tornar o Estado azul em um único ciclo eleitoral.
— Não estou votando pelo homem, mas pelo partido. Sou cristã, para mim é muito importante o tema da liberdade religiosa e a proteção aos fetos — afirmou Melanie.
A pequena cidade de 27 mil habitantes destoa, no entanto, da maioria do condado, que abarca os subúrbios de Fort Worth. Enquanto 90% são brancos em Colleyville, o número cai para 45% em toda a região de Tarrant. Susana Landeros, nascida em uma das cidades da fronteira entre o México e o Texas, é uma das pessoas que pressionam a mudança de perfil no condado.
— As pessoas daqui que veem o que acontece neste país e ainda são pró-Trump são cristãos seletivos. Se fecham os olhos para como Trump trata as minorias, não são cristãos de verdade. Essa eleição é obrigatória para mim, como mexicana. É a primeira vez que sinto que não posso perder. Trump é racista — afirma.
Trump bloqueia a ampliação de apoio dos republicanos entre o crescente eleitorado latino.
— Não suporto ver as pessoas do meu país colocadas atrás das grades, ver que crianças nos centros de detenção são cobertas com folhas de alumínio em vez de lençóis — diz Glória Garza, de 31 anos, moradora da região de Fort Worth.
Ela chegou do México com a família aos dois anos de idade e não se define como republicana ou democrata, mas votar em Biden é "a única opção".
— Eu preciso saber que haverá um futuro para meus filhos e sistema de saúde para eles. Se Trump acabar com o Obamacare, não terei nada — diz.
Uma peça publicitária em espanhol foi usada pelos democratas no Texas e também na Flórida, mirando os latinos. O anúncio trata do plano de Biden para conter o coronavírus, que impactou que maneira desproporcional as minorias nos Estados Unidos.
Fora das grandes avenidas do Colleyville, há apenas alguns centros comerciais bem organizados nas áreas residenciais e igrejas batista. O único grupo religioso em que Trump é o favorito é entre os cristãos brancos. Colleyville é mais branca e mais rica do que a maioria do país. A média do valor das casas é de 488 mil dólares (o equivalente a R$ 2,7 milhões), mais do que o dobro da média nacional. A renda familiar anual média é de US$ 175,3 mil, quase o triplo do que ganham os moradores de uma casa americana padrão.
No horário do almoço, um pequeno centro comercial com salão de beleza, um spa e um centro de massagem estava com o estacionamento lotado. Na saída de uma loja de armas e munições, um engenheiro de som que não quis dar seu nome por dizer não confiar em jornalistas explica como o Texas está situado na política nacional:
— Para os padrões do Texas, sou um independente. Para os padrões do país, sou um conservador republicano. Sou um pai de quatro crianças, o mais importante é a economia, e também me preocupo com o crescimento de um "tribalismo" no país, visto nesses protestos — disse o homem.
Patricia e Joe Hendrick depositaram cédulas com voto em Joe Biden no drive-thru montado pela administração de eleições de Tarrant. Para se protegerem do coronavírus, os dois usavam máscaras e óculos de sol e ela, luvas. O casal costuma votar em democratas, mas essa é a primeira vez, diz Patricia, que a motivação do voto é o fato de o candidato republicano "não respeitar ninguém". Como nos Estados-pêndulo, Trump tem perdido apoio entre as mulheres. Mas o casal tem pouca esperança de ver o próprio Estado como motor da vitória de Biden.
— Somos um ponto azul no meio de um campo inteiro vermelho — resume Joe.