A China adotou nesta terça-feira (30) a polêmica lei de segurança nacional para Hong Kong, considerada pelos críticos uma forma de silenciar a oposição e minar a autonomia do território. Ignorando os apelos dos países ocidentais, o parlamento nacional aprovou o texto, um ano depois das grandes manifestações na ex-colônia britânica contra a influência do governo central.
"Isto representa o fim de Hong Kong como era conhecido em todo o mundo. Com poderes ampliados e uma lei mal definida, a cidade se transformará em um #estadodepolíciasecreta", tuitou Joshua Wong, um dos líderes do movimento pró-democracia, cujo partido político Demosisto anunciou a dissolução nesta terça-feira (30).
"Ao final de várias deliberações internas, decidimos pela dissolução e interromper todas as atividades como grupo dadas as circunstâncias", afirmou o Demosisto no Twitter.
Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia (UE) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos alertaram para o risco de que a lei possa ser utilizada para calar as vozes críticas a respeito de Pequim, que recorre a leis similares para esmagar a dissidência no continente. O conteúdo do texto, que foi apresentado no domingo (28) ao comitê permanente do Parlamento Nacional, um instituição vinculada ao Partido Comunista Chinês, é um mistério para os 7,5 milhões de habitantes da cidade.
Em poucas semanas, Pequim vai impor a lei, que contorna o Conselho Legislativo local e provoca o temor da oposição de Hong Kong de um retrocesso inédito das liberdades desde a devolução do território à China, em 1997. Com o novo texto, o governo central pretende garantir a estabilidade, acabar com o vandalismo que foi registrado nas manifestações de 2019 na cidade e reprimir o movimento pró-independência.
"A lei de segurança nacional em Hong Kong foi aprovada oficialmente", celebrou em um comunicado o DAB, principal partido pró-Pequim do território. Em sua entrevista coletiva semanal, a chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, designada por Pequim, evitou fazer comentários sobre o teor da lei.
— O fato de a população Hong Kong só saber o que afirma a lei depois do fato é mais que absurdo — declarou Claudia Mo, deputada de oposição.
Mudança radical
O compromisso alcançado entre Reino Unido e China para a devolução de Hong Kong em 1997 fala sobre o prosseguimento da ex-colônia com certas liberdades, assim como com autonomia legislativa e judicial, durante 50 anos, no que foi denominado "um país, dois sistemas". Os moradores da cidade têm liberdade de expressão, liberdade de imprensa, uma justiça independente e um sistema capitalista.
A fórmula foi o pilar da transformação da cidade em uma plataforma financeira mundial, ancorada em sua segurança jurídica e nas liberdades políticas que não existem no continente.
A agência de notícias estatal Xinhua resumiu recentemente a lei, afirmando que o texto prevê reprimir o "separatismo, o terrorismo, a subversão e o conluio com forças externas e estrangeiras". Além disso, um "órgão de segurança nacional", vinculado ao governo central, deve ser criado em Hong Kong para atuar especialmente no serviço de inteligência.
— É uma mudança fundamental que abala a confiança da comunidade, tanto local como internacional, a respeito do modelo de Hong Kong — disse o analista político Dixon Sing.
Na mira de Pequim estão os partidários da independência e inclusive alguns países estrangeiros, em particular os Estados Unidos, acusados de apoiar os manifestantes.
Represálias
Mas a região está dirigida por um governo local cujos membros estão sistematicamente subordinados a Pequim, devido a um processo de seleção que afasta as figuras da oposição. O G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) já havia demonstrado não apoiar o projeto. A UE criticou a adoção da lei.
— Lamentamos esta decisão. A lei pode afetar gravemente o elevado nível de autonomia de Hong Kong e ter um efeito prejudicial sobre a independência do Poder Judiciário e o Estado de direito — declarou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.
Por considerar que a lei seria aprovada e por expressar oposição veemente a Pequim sobre a questão de Hong Kong, Washington anunciou na segunda-feira (29) o fim das vendas de equipamentos sensíveis de defesa a Hong Kong para evitar que passem ao exército chinês. A China reagiu nesta terça e anunciou que adotará "represálias" pela decisão do governo americano.
— Estados Unidos nunca conseguirão obstruir os esforços da China para faze avançar a legislação de Hong Kong em termos de segurança nacional — afirmou o porta-voz da diplomacia chinesa, Zhao Lijian.
Washington já havia anunciado na sexta-feira (26) restrições de visto para funcionários chineses acusados de "questionar" a autonomia do território. Pequim respondeu, na segunda, com uma medida similar contra os cidadãos americanos que criticaram a lei.
A partir de agora parece difícil que os cidadãos de Hong Kong possam organizar grandes manifestações, já que as autoridades da ex-colônia proíbem as reuniões com mais de 50 pessoas devido à pandemia de covid-19.