Viver em um acampamento fechado e superlotado, ou voltar para casa? Centenas de requerentes de asilo enfrentam essa escolha quase impossível no Chipre, em meio à pandemia de COVID-19. E, até hoje, esperam um destino melhor.
"Ou você entra em um ônibus (para o acampamento), ou assina um documento dizendo que deseja voltar para o seu país", relatou Ighodalo à AFP.
Este migrante nigeriano, que presta seu testemunho sob um pseudônimo, é um dos inúmeros demandantes de asilo que antes estavam hospedados em hotéis em Aya Napa (sudeste) e foram, repentinamente, transferidos para um acampamento da ilha pelas autoridades.
"Nós nem tivemos tempo de ler o papel", continuou Ighodalo.
Agora está preso no acampamento de Pournara, em Kokkinotrimithia, perto da capital Nicósia, composto por tendas pré-fabricadas e de campanha das Nações Unidas, cercadas por arame farpado. Construído para receber cerca de 200 pessoas, o local abriga atualmente em torno de 800 migrantes.
O governo do Chipre alega que não pode mais pagar os 19 milhões de euros anuais (US$ 21 milhões) por um alojamento para os migrantes.
Para uma população de menos de um milhão de habitantes, "temos um número considerável de migrantes, e 75% não são refugiados", disse à AFP o ministro do Interior, Nikos Nouris.
Para lidar com a maior taxa de pedidos de asilo por habitante da Europa, Nouris afirma que o governo quer acelerar os procedimentos de admissão e de repatriações voluntárias.
- Sarna -
Separada da Turquia por uma faixa de mar de menos de 100 quilômetros de largura, a ilha do Mediterrâneo entrou dividida na UE, em 2004.
A República do Chipre, que é a única reconhecida pela comunidade internacional, controla dois terços do sul. Ao norte, está uma autoproclamada República Turca (RTCN), reconhecida apenas por Ancara.
Este território do norte é uma porta de entrada para os migrantes, que chegam de barco e entram no sul pela "linha verde", monitorada pelas Nações Unidas e que serpenteia pela ilha por cerca de 180 quilômetros.
Essa área, que tem uma dúzia de pontos de passagem, viu um aumento no número de migrantes nos últimos anos: sírios - cujo país está em guerra -, camaroneses, nigerianos, indianos, paquistaneses, ou bengaleses.
Os pedidos de asilo passaram de 2.253, em 2015, para 13.648, em 2019, segundo o ministro.
"Queremos receber refugiados. Mas não podemos mais acolher, nessa quantidade, todos os migrantes econômicos", acrescentou.
Atualmente, Ighodalo não pode deixar o campo de Pournara. Embora o Chipre esteja suspendendo gradualmente as medidas de confinamento impostas contra o coronavírus, os portões centrais permanecem fechados, devido ao aparecimento de sarna, de acordo com o Ministério da Saúde.
Para Doros Polycarpou, do grupo de direitos dos migrantes Kisa, mantê-los sem recursos naquele campo é uma "violação grave" da lei. E, segundo ele, Nicósia procura enviar uma mensagem: "Não venha mais para o Chipre".
As autoridades lançaram uma campanha multilíngue por SMS para informar aos imigrantes que o Chipre - fora do espaço Schengen - não é um ingresso para a Europa.
"Eles me colocaram no campo de Pournara quando cheguei no Chipre. Não quero voltar. Nunca. É um lugar horrível", disse outro nigeriano, sob anonimato, que desistiu do pedido de asilo e optou pelo repatriamento.
A ONG Cyprus Refugee Council denunciou as "condições muito difíceis" no acampamento, "fechado, superlotado e sem informações claras sobre quando (os migrantes) poderão sair".
As autoridades dizem que estão trabalhando para melhorar as instalações e que, quando a epidemia de sarna diminuir, Pournara poderá reabrir, de acordo com Nouris. Ele ressalta que não houve casos de COVID-19 entre os migrantes.
Mas, "se outra onda de imigrantes chegar", e "se a Turquia continuar a enviar pessoas para as áreas ocupadas do Chipre" (norte da ilha), "teremos momentos difíceis", alertou.
* AFP